A CRIAÇÃO DA LUZ

Postado em 1 de setembro de 2020 por

Categorias: Pregações

Pr Luciano R. Peterlevitz

TEXTO: Gênesis 1.2-5

Introdução

Vivemos em um deserto causticante e angustiante. Só o Deus Criador pode nos sustentar em meio ao difícil deserto da vida.

Pior do que viver em um deserto, é viver em um deserto sem Deus. O homem é miserável. E se faz ainda mais miserável quando tenta peregrinar no deserto sem o Deus Criador. Quando acredita que a vida é fruto do acaso, quando se abriga à sombra dos valores relativistas, quando busca refúgio no misticismo, quando tenta viver por si mesmo e para si mesmo… o homem se torna ainda mais miserável.

Na mensagem de hoje vamos refletir no primeiro ato criador de Deus, que fez surgir a luz. O primeiro dia da criação está nos v.3-5. Contudo, precisamos dar uma atenção para o v.2, e também notar a narrativa de Gn 1.1 – 2.3 como um todo, antes de olharmos para 1.3-5. Por isso, primeiro vamos olhar para as características poéticas de 1.1 – 2.3, depois vamos analisar rapidamente o v.2 de Gn 1, para então antedermos o significado do primeiro dia da criação. Em cada momento do nosso estudo, vamos tirar lições para as nossas vidas.

A poesia da criação

O poema dos dias da criação inicia-se em 1.1 e encerra-se em 2.3. Em 2.4 começa outra unidade literária: “Esta é a gênese dos céus e da terra” é um título para a segunda narrativa da criação (2.4-25).

Em 1.1 lemos o primeiro ato criativo de Deus. Na sequência, o v.2 apresenta o estado da terra antes do sete dias da criação. A partir do v.3 inicia-se a ação criativa de Deus. Em 1.3 – 2.3 leem-se os atos criativos de Deus em seis dias (seis dias de trabalho o sétimo dia do “descanso” de Deus).

Gênesis 1.1 – 2.3 tem características poéticas. Há 7 estrofes, ao todo. As estrofes são demarcadas pelas expressões “disse Deus…viu que Deus que isso era bom…houve tarde e manhã…”. Na cultura judaica, o número 7 significa plenitude, completude e perfeição. O Criador completou a sua obra em 7 dias, o que significa afirmar que sua criação é perfeita como Ele. Deus é Perfeito, e tudo o que Ele faz é perfeito.

Gn 1.3- 2.3 apresenta oito atos criativos divinos, que estão inseridos em uma estrutura de 7 dias. Em dois dos dias há dois atos criadores, conforme pode ser notado na tabela abaixo.

1º dia (v.3-5)1ª obra: luz  
2º dia (v.6-8)2ª obra: firmamento  
3º dia (v.9-13)3ª obra: terra seca 4ª obra: plantas  
4º dia (v.14-19)5ª obra: sol, lua e estrelas  
5º dia (v.20-23)6ª obra: animais marinhos e aves  
6º dia (v.24-31)7ª obra: animais terrestres 8ª obra: ser humano  
7ª dia: descanso

Assim, o poema da criação foi escrito para convocar o Israel peregrino no deserto a adorar  Elohim e a descansar em Suas obras criadoras.

Gn 1.1– 2.3 foi escrito com o propósito é litúrgico.

Brueggemann observa que vários Salmos que falam da criação[1], paralelos a Gn 1.1 – 2.4, apresentam a bondade de Deus e a resposta da criação na forma de louvor.[2] O mundo criado louva ao Deus Criador. 

Na Bíblia, a afirmativa de que Deus é Criador sempre está associada à adoração. Melquisedeque, rei e sacerdote de Salém (Jerusalém), abençoou Abrão com uma fórmula litúrgica que provavelmente era emprega no antigo culto do Deus Altíssimo, oficiado na Jerusalém da época pré-israelita: “Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, que possui os céus e a terra (Gn 14.19). Deus é adorado porque criou todas as coisas. “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” (Ap 4.11).

Nessa linha, o apóstolo argumenta que os homens ímpios e perversos são “indesculpáveis”, porque não reconheceram os atributos invisíveis de Deus que podem ser “percebidos por meio das coisas criadas” (Rm 1.20). Os homens, em sua impiedade e perversão, “não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm 1.21). Não percamos de vista o perigo de não adorar o Deus criador. Se não glorificamos o Deus Criador, se não lhe damos graças, nos igualamos aos homens perversos. Se não fazemos a oração de Apocalipse 4.11, o nossos pensamentos se tornam fúteis e vazios, e nosso coração é tomado por trevas.

Por isso, precisamos urgentemente examinar as motivações pelas quais adoramos a Deus. Também precisamos examinar o conteúdo da nossa oração. Por que oramos? Oramos para adorar ao Deus criador, ou só para pedir sua proteção? O relato da criação de Gênesis 1.1 – 2.3 nos faz repensar a nossa teologia da oração e da adoração.

Responda sinceramente: em suas orações, você tem adorado a Deus como Criador? Você tem feito a oração de Ap 4.11? Por qual razão você adora a Deus? O que move suas orações: as bênçãos de Deus ou o Deus das bênçãos?

O poder da Palavra de Deus

A expressão “disse Deus” ocorre dez vezes aqui em Gênesis 1. Deus criou os céus e a terra pela sua Palavra (Sl 33.6; Hb 11.3). Quando Deus fala, as coisas acontecem.

Minha palavra não tem o poder criativo, como o poder da Palavra de Deus. Só a Palavra de Deus é poderosa. Só a Palavra de Deus faz a terra frutificar. Na medida em que Deus foi falando, o caos de Gn 1.2 foi desaparecendo e o mundo organizado foi surgindo. “A palavra de Deus, Jesus, criou este mundo, e a palavra de Deus, Jesus, remirá este mundo”.[3]

Quando Deus fala, as trevas recuam. Deus diz: “haja paz”, e paz começa e existir. Deus diz “haja salvação”, e a salvação começa a existir. Deus diz “haja cura”, e o corpo é curado. À voz poderosa de Cristo, a tempestade se acalma.

Basta uma Palavra de Deus para os enfermos serem curados. Basta uma Palavra de Deus para os aflitos serem consolados. O Deus que criou nossa vida por Sua Palavra pode consertar nossa vida pela Sua Palavra. Quando estamos caídos, basta uma Palavra do Senhor para sermos levantados. Na enfermidade, oramos: “Deus, o Senhor criou meu corpo, então, por favor, cura-o. Basta uma Palavra Tua, oh Senhor!”.

O poder do Espírito de Deus: v.2

O v.2 apresenta um cenário de caos: a terra “estava sem forma e vazia”; “havia trevas”; as “águas” prevaleciam sobre tudo. Mas “o Espírito de Deus pairava sobre as águas”.

A expressão “sem forma e vazia” (hebr.  tohu wabohu)descreve um lugar improdutivo, inabitado, deserto, sem vida. A expressão “sem forma” é melhor traduzida como “deserto”. A terra de Gênesis 1.2 é um lugar impróprio para a habitação; é um lugar ermo (cf. Is 45.18). O que lemos aqui é um cenário de desolação total onde é impossível haver vida sobre a terra.

Gênesis 1.2 apresenta a terra sem a Palavra de Deus. A terra sem a Palavra de Deus é um lugar sombrio, sem vida.

“e o Espírito de Deus”.Não encontramos aqui “um vento de Deus” soprando sobre as águas, mas sim, o “Espírito de Deus” que exerce poder absoluto sobre as águas. Portanto, o Espírito Santo participou da criação (cf. Sl 104.30). 

Não podemos perder de vista o paralelismo das frases:

“havia trevas sobre a face do abismo,

     e o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas”.

A questão é: quem domina o abismo / as águas? As trevas ou o Espírito de Deus? Notemos bem o texto. As “trevas” só estão lá. Mas não fazem nada. No hebraico, não há verbo; o texto só diz: “trevas sobre a face do abismo” (o verbo “haver” está implícito). Já a segunda frase é diferente. O Espírito de Deus exerce uma ação: Ele “pairava”. O verbo rahap, “pairar” transmite a imagem de uma águia exercendo cuidado sobre seus filhotes (Dt 32.11). O Espírito de Deus poderosamente paira sobre o caos.

Não há uma luta entre as trevas e o Espírito de Deus. O Espírito exerce pleno poder sobre as trevas.

Não há um dualismo, uma medição de forças entre Deus e o diabo. Por isso que a Bíblia diz que Jesus destruirá o anticristo simplesmente pelo sopro da sua boca (2Ts 2.8).

Nada foge ao controle soberano do Senhor. Deus é Deus.

O poder da luz de Deus: 1.3-5

O primeiro dia da criação apresenta a criação da luz pela Palavra de Deus.

A luz foi criada antes do sol (este só foi criado no quarto dia).

Moisés está confrontando as crenças pagãs da sua época. Muitos povos antigos acreditavam que os astros (sol, lua estrelas) eram os deuses responsáveis em prover a luz para a terra. Então, ao colocar a luz antes dos astros, a narrativa deixa claro que Deus é a fonte de toda a luz. Por isso, a nova Jerusalém “não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada” (Ap 21.23 cf. 22.5).

Deus é luz, e, portanto, Ele é a fonte última de luz. Conforme declara Tiago, Deus é o “Pai das luzes” (Tg 1.17). 

Sem a Palavra de Deus, não há luz. A terra é inabitável (Gn 1.2). Mas quando Deus fala, as trevas recuam, e surge a luz (Gn 1.3).

A luz está associada à vida. A criação da luz logo no primeiro dia sinaliza o início da vida sobre a terra. O apóstolo João nota que, no princípio, o Verbo (Cristo) estava com Deus e Ele era o próprio Deus (Jo 1.1); todas as coisas foram criadas por Ele (Jo 1.3); “a vida estava nele e a vida era a luz dos homens” (Jo 1.4). Jesus é a luz do mundo que traz a “luz da vida” (Jo 8.12).

A luz é a presença de Deus. Durante a peregrinação no deserto, nas noites, o povo de Israel foi conduzido por “uma luz de fogo”, uma referência à presença gloriosa de Javé que dirigia os israelitas rumo à terra prometida (Sl 78.14; cf. Êx 13.21; Sl 105.39).

Oh meus irmãos, como precisamos da presença gloriosa do Senhor para nos dirigir nos causticantes desertos da vida! É a luz da presença de Deus que guia as nossas vidas. Sem a luz de Deus, andamos em círculos, não avançamos rumo à “terra da promessa”.

Qual a sensação de estar no escuro? Em regiões onde a luz do sol é menor há um índice maior de depressão. Dias sombrios geram tristeza. Por isso a luz é “boa (v.4).

No escuro, tropeçamos. Perdemos o senso de direção.

Notemos algumas expressões nos versos 3-5 que apresentam alguma ações de Deus. Essas expressões serão analisadas na próxima mensagem. Hoje só vamos identifica-las:

  • “E viu Deus que a luz era boa” (v.4). Tudo o que Deus faz é bom. Deus é bom o todo tempo! 
  • “e fez separação entre a luz e as trevas” (v.4). Luz e trevas não podem conviver juntas. Deus fez separação entre elas.
  • “Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite”. Ao nomear, Deus exerce sua autoridade sobre a luz e sobre as trevas. Deus tem autoridade sobre as trevas!
  • “houve tarde e manhã, o primeiro dia” (v.5; cf. v.8,13,19,23,31). O autor utiliza aqui a cultura hebraica, segundo a qual, o dia começa no fim da tarde. A “tarde” é a “tardezinha” o “crepúsculo”. É o momento do anoitecer, ao pôr do sol. Na cultura judaica, o dia inicia-se às 18h:00. Já a “manhã” é o “romper do dia”, uma referência às primeiras horas do dia quando a luz solar começa a raiar.

O ciclo dos dias segue o movimento entre o v.2 e os v.3-5. No início, havia trevas (v.2), mas depois Deus criou a luz (v.3-5). O ciclo “tarde – manhã” (anoitecer e amanhecer) é uma repetição daquilo que foi no princípio: inicialmente havia trevas sobre a face do abismo (v.2), mas a luz irrompeu, dando início ao primeiro dia da criação, e este primeiro dia foi também o início do surgimento do cosmos (mundo organizado).

O ciclo dos dias da criação se prolonga até hoje, no nosso ciclo semanal. Quando a luz do sol brilha, as trevas da noite são recolhidas. Nunca devemos nos esquecer que, depois das trevas, vem a luz. Após a noite, um novo dia amanhecerá.“As incessantes ‘manhãs’ são evidência da bondade e da fidelidade de Deus (cf. Gn 8.22; Sl 30.5; Lm 3.23).”[4] “Ao anoitecer, pode vir o choro, mas a alegria vem pela manhã” (Sl 30.5b).

O Salmo 46.5 afirma que Deus socorre o seu povo “no romper do dia”. Cada manhã é um sinal da graça de Deus.

Conclusão

Adore ao Deus criador. Inclua em sua adoração e em sua oração a canção de Ap 4.11: “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque todas as coisas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas”.

Creia no poder da Palavra de Deus.

Creia no poder absoluto do Espírito de Deus.

Que a luz poderosa da presença de Deus brilhe em sua vida e conduza os seus passos. Para a glória do Deus Criador. Amém.  


[1]Por exemplo: Sl 8 e 104.

[2]Walter Brueggemann, Genesis: Interpretation: A Bible Commentary for Teaching and Preaching, p. 28.

[3]Sidney Greidanus, Pregando Cristo a partir de Gênesis, p. 78.

[4] Kenneth Mathews, Genesis 1-11: An Exegetical and Theological Exposition of Holy Scripture, p. 145.