O DEUS ANFITRIÃO
Pr Luciano R. Peterlevitz
Salmo 23.5-6:
Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unges com óleo a minha cabeça, o meu cálice transborda. 6 Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor por longos dias.
Introdução
Na mensagem anterior, refletimos no Salmo 23.1-4. Hoje vamos olhar para os versos 5-6 desse Salmo.
O Salmo 23 é conhecido como o Salmo do Pastor. Entretanto, precisamos nãosomente conhecer o Salmo do Pastor, mas o Pastor do Salmo.
Não adianta deixar a Bíblia aberta no Salmo 23, para espantar os “maus olhados” ou “as coisas ruins”. É necessário ter um relacionamento pessoal com o Senhor que é o nosso Pastor.
A figura do Pastor, aplicada a Deus, não é única no Salmo 23. Deus também é apresentado como Anfitrião. É nessa figura de Deus como Anfitrião que vamos focar nossa mensagem de hoje.
Estrutura do Salmo 23:
- Versos 1-4: Deus como Pastor
- Versos 5-6: Deus como Anfitrião
Como é bom sermos bem recebidos na casa de alguém, não é mesmo?! Melhor ainda é sermos bem recebidos pelo Senhor!
Nos v.5-6, vamos notar as ações hospitaleiras de Deus a nossa favor.
Primeira ação hospitaleira de Deus: o preparo da mesa que desfaz inimizades
No início do v.5, é possível perceber a primeira ação hospitaleira de Deus: “preparas uma mesa perante mim, diante dos meus opressores” (v.5a). O próprio Deus prepara a mesa. Provavelmente o “contexto vivencial” dessa afirmação é o “sacrifício de ações de graças”, que, no Antigo Testamento, era um tipo de sacrifício em que o ofertantes compartilhavam o alimento (Lv 3; 1Sm 1.4,5; cf. Êx 24.11; 1Sm 9.12,13), e aqui no Salmo 23.5, é o próprio Deus que prepara o sacrifício e convida os perseguidos e angustiados para dele participarem.
Os “opressores/inimigos” de Davi estão à mesa junto com ele. Ora, no “sacrifício de ações de graças”, todos partilhavam o alimento. De modo que os inimigos de Davi não estão lá simplesmente para olhar aquilo que Deus fez por Davi. O banquete não é para suscitar neles algum tipo de inveja. Não! Eles estão lá para partilhar o alimento com Davi! Na mesa de Deus, as inimizades são desfeitas, e um mesmo pão é partilhado. Realmente o Salmo 23 é especial!
Na comunhão do Corpo de Cristo não podem haver inimizades!
Mateus 5.23-24: 23 Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,24 deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta.
Depois de aproximadamente 5 meses com as portas fechadas, as nossas igrejas estão voltando com seus cultos presenciais. Entretanto, preciso responder sinceramente a essa pergunta: Estou disposto a sentar-me à mesa com aqueles que me ofenderam? Antes de ofertar ao Senhor, preciso me reconciliar com meu irmão. Antes de abrir as portas do templo para cultuar a Deus, preciso abrir a porta do coração para o perdão e para a reconciliação.
A segunda ação hospitaleira de Deus: o seu cuidado e o seu agir
“unges com óleo a minha cabeça, o meu cálice transborda” (v.5b). O verbo “unges” transmite o sentido de abundância. Trata-se da generosidade do hospedeiro ao convidado. O “óleo” mencionado aqui possivelmente seria um composto de azeite aromático que os anfitriões esfregavam na fronte dos seus convidados, para disfarçar os odores corporais dos viajantes, bem como para aliviar suas feridas e aliviar o cansado deles. Contudo, num nível mais literal, o óleo era um tipo de remédio utilizado pelos pastores para curativo das ovelhas.
O que é destacado aqui é a generosidade do Deus Anfitrião ao seus convidados. Por isso, a última expressão do verso é: “o meu cálice transborda”. Davi está destacando o transbordar do agir de Deus ao seu favor.
O coração de Davi estava muito mais voltado para a graça de Deus a seu favor do que para as ações hostis dos seus inimigos contra ele. De fato, o que Deus faz a nosso favor é muito maior do que aquilo que nossos inimigos fazem contra nós. E essa perspectiva nos leva abandonar qualquer sentimento de vingança.
O que mais temos valorizado: as coisas ruins que as pessoas fazem contra nós, ou as coisas boas feitas por Deus ou por outras pessoas a nosso favor?
Terceira ação hospitaleira de Deus: sua bondade e sua misericórdia para sempre: v.6
“Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida” (v.6a).
Davi não sai da mesa de Deus “de mãos vazias”. Ele sai dali sendo acompanhado “com a bondade e a misericórdia” do Senhor”.
Na mesa de Deus, Davi recebeu da “bondade” e da “misericórdia” de Deus, e esses dois atributos de Deus iriam acompanhá-lo pelo resto de sua vida. Nessa terceira ação hospitaleira, o Senhor presenteia os seus convidados com a bondade e com a sua graça, e as tornam companheiras deles na jornada da vida. Aqueles que são convidados para estarem na mesa com o Senhor têm em suas vidas algo do próprio Senhor. Eles não sairão da mesa sem ter a graça como companheira.
O verbo “seguir” (hebr. radap) também pode ser traduzido por “perseguir”, pois comumente é “usado para descrever as ações hostis de inimigos”[1]. Davi, ao escrever este salmo, provavelmente estava sendo perseguido por seus inimigos (Saul e seu bando). No entanto, ele vê-se a si mesmo não como alguém perseguido por seus opressores, mas sim pela bondade e pela misericórdia de Deus. É uma santa perseguição!
Justamente por causa desse verbo “seguir / perseguir”, C. H. Spurgeon disse que a bondade e a misericórdia são os dois soldados de infantaria de Deus, que vão ao nosso encalço, para nos livrar das ações maléficas dos inimigos, para aplainar nossa jornada para casa.[2] A bondade e a misericórdia nos perseguem. Aonde quer que pusermos nossos pés, lá elas estarão!
A resposta de Davi ao Deus Anfitrião
No final do v.6 lemos uma declaração de Davi: “e habitarei na casa de Javé por longos dias”. Lemos ai a resposta de Davi às ações hospitaleiras de Deus. Davi deseja estar sempre “na casa de Javé”; ele almeja voltar sempre ao baquete de Deus (v.5). A “casa de Javé” é uma referência à tenda que Davi ergueu para abrigar a arca da aliança (2Sm 6.17), e posteriormente a expressão passou a ser aplicada ao templo de Salomão. O verbo “habitarei”, conforme nossas traduções, também é interessante: Davi estaria dizendo que o seu desejo é viver na presença de Deus por todos os dias de sua vida. Ele deseja adorar ao Deus Anfitrião, o Deus que o acolheu.
Davi dedicaria sua vida à adorar Javé.
A último expressão do v.6, “para todo o sempre” (Almeida Revista e Atualizada; Almeida Século 21). Aqui no Sl 23.6 ela é paralela à da frase anterior, “todos os dias da minha vida”. Por isso, a melhor tradução seria “enquanto eu viver” (NVI).
Portanto, o que Davi está dizendo é que, enquanto ele vivesse, iria adorar ao Senhor. É como se ele dissesse: “Oh, Senhor, enquanto eu viver, jamais vou me esquecer do seu cuidado para comigo, e como resposta à sua provisão e acolhimento, vou lhe render todo meu louvor e adoração”.
É certo que temos sido cuidados pelo Senhor. Mas será temos sido agradecidos ao Senhor?
Como ser agradecido ao Senhor? Não basta dizer um “muito obrigado”. Não se trata de “pagar algum voto”, como se a vida espiritual fosse algum tipo de mercadoria de troca. Não! Deus quer nossas vidas consagradas a Ele!
Temos entregado a Ele nosso coração quebrantado? Temos dedicado a ele nossas vidas em adoração como resposta a sua salvação e aos seus grandes feitos por nós?
[1] CHISHOLM, Robert B. Jr. Da exegese à exposição, p. 268.
[2]PHILLIPS, John.Exploring Psalms: An Expository Commentary. Volume 1 (Grand Rapids: Kregel Publications, 1988), p. 179.