AS AÇÕES PASTORAIS DE DEUS
Pr Luciano R. Peterlevitz
TEXTO: Salmo 23.1-4
Introdução
Sem dúvida o Salmo 23 é uma das passagens mais conhecidas e apreciadas de toda a Escritura. Este Salmo é conhecido como o Salmo do Pastor. Entretanto, muito mais do que conhecermos o Salmo do Pastor, precisamos conhecer o Pastor do Salmo.
“O Senhor é o meu pastor”. É uma oração. Davi não fala sobre Deus, mas fala a Deus. Davi conhecia muito bem o Pastor a Quem orava. Por isso, muito mais do que conhecer o Salmo 23, precisamos conhecer o Pastor do Salmo 23.
O Salmo 23 não apresente Deus somente como Pastor (v.1-4). Deus também é apresentando como Anfitrião (v.5-6), como aquele que nos recebe em sua casa.
Estrutura
O Salmo 23 está dividido em duas estrofes:
1ª estrofe: v.1-4 – O Senhor como pastor: as ações pastorais de Deus
2ª estrofe: v.5-6 – O Senhor como anfitrião: as ações hospitaleiras de Deus
Nesta mensagem, vamos voltar nossos pensamentos à primeira estrofe (v.1-4): as ações pastorais de Deus.
O Senhor como pastor
O v.1 é uma declaração acerca do pastoreio de Deus, e os v.2-4 apresentam várias ações pastorais de Deus.
V.1: “Javé é o meu pastor”. “Javé” é a transliteração do tetragrama sagrado (YHWH). Javé é o Deus da aliança. Davi declara ter um relacionamento pessoal com esse Deus da aliança, e isso só é possível porque Deus entrou em aliança com seu povo. É dentro desse relacionamentode aliança que Deus guia e protege.[1]
À luz da nova aliança, o Salmo 23 ganha retoque muito especial. Jo 10:11: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas”. Cristo é o bom pastor que entregou sua vida por nós. Por que podemos ter certeza de que o Deus Pastor cuidará de nós? A resposta é muito simples e objetiva: porque o Pastor se encarnou e morreu por nós! Rm 8:32: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?”.
Tendo o Deus Pastor ao seu lado, Davi podia dizer: “não sentirei falta de nada”. O verbo hebraico hasersignifica “sentir falta”, “ter carência”.
O texto não diz que “nada me faltará”, mas sim que não sentirei falta de nada, pois o Senhor é o meu pastor. Muitas vezes as coisas faltam: o emprego falta; a saúde falta; as pessoas faltam; os bens materiais faltam. Mas o Senhor não falta jamais. Ele caminha conosco pelo vale sombrio da morte (v.4). E sua presença é suficiente. Sua presença nos dá a sensação de que está tudo bem (ainda que não esteja!). Mesmo que não tenhamos tudo o que queremos, sempre teremos tudo o que precisamos. E mesmo que algumas vezes não tenhamos tudo o que precisamos, nós não sentiremos falta de nada, se tivermos o Senhor como nosso Pastor. Porque, às vezes, as coisas podem até faltar, mas o Pastor jamais faltará. Lembremos que Deus, em Cristo, providenciou “todas as coisas de que necessitamos para a vida” (2 Pedro 1.3 – NVI).
Os v.2-4 apresentam as ações do Deus Pastor. Vejamo-las.
Primeira ação pastoral de Deus: SEGURANÇA (v.2)
A primeira ação pastoral de Deus é segurança, resultado do seu terno cuidado.
“Em pastos verdejantes ele me faz deitar” (v.2a). Vemos aqui a imagem do pastor colocando suas ovelhas para “deitar”. O termo “verdejantes” é a “grama recém brotada”. É a erva nova, que brota em Israel na estepe depois que as chuvas caem em Israel. Comida fresca para a ovelha! O pastor conduz suas ovelhas para esses pastos verdejantes, e ele mesmo faz com que elas se assentem em descanso. E elas não conseguem dormir se estão agitadas, andando de um lado para o outro. É necessário que o pastor maternalmente as coloque para repousar.
Davi conhecia muito bem esse cuidado terno do Senhor:“Em paz me deito e durmo, porque só tu, Senhor, me fazes habitar em segurança.” (Salmo 4.8).
Podemos mentalizar agora a imagem de criança agitada, mas que, balançadanos termos braços do pai ou da mãe, logo dormi. Assim também, quando estamos agitados, em nos entregamos aos ternos braços do Pastor, Ele acalma nossa alma.
Você está agitado? Está inquieto? Deixe o Pastor acalmar a sua alma.
“às águas tranquilas ele me guia cuidadosamente” (v.2b). As ovelhas são animais sensíveis, que não conseguem ingerir água em ambientes com muito barulhos. Elas necessitam de “águas tranquilas”. E o pastor sabe onde encontrá-las. O verbo “guiar” tem o sentido de “guiar cuidadosamente”, “conduzir com cuidado”, e também apresenta o sentido de “suprir”, “abastecer”.[2] “Portanto, fala de direção que visa o bem estar do dirigido”.[3] As ovelhas não sabem onde têm comida e água. Elas precisam ser guiadas. Elas não ficam preocupadas durante à noite, pensando se conseguirão encontrar as provisões para o outro dia. Quando amanhece, elas simplesmente são conduzidas pelo pastor.
Observando esse verso 2, é possível aprender a seguinte lição: podemos confiar na direção do pastor, porque Ele guia cuidadosamente, ou seja, Ele conduzirá seu rebanho aos lugares onde se encontram comida boa e água potável.
Embora o caminho seja difícil, podemos ter a certeza de que o Supremo Pastor está conduzindo nossas vidas para um lugar seguro. Por isso podemos ficar tranquilos. Nossas vidas não estão nas mãos de qualquer um. Estamos nas mãos Daquele que sabe o que é o melhor para nós, nas mãos Daquele que sabe onde estão os “pastos verdejantes” e as “águas tranquilas”.
Segunda ação pastoral de Deus: ÂNIMO (v.3a)
“Refrigera a minha alma” (v.3a), ou “restaura o meu fôlego”. As ovelhas se alimentaram em “pastos verdejantes” e beberam em “águas tranquilas” (v.2), assim, suas forças estão reestabelecidas. Elas estão prontas para caminhar novamente pelo deserto e voltarem para a casa, guiadas pelo pastor.
Nessa terceira ação pastoral, Deus reestabelece as forças das ovelhas. Você está sem forças? Sem ânimo? No Deus Pastor você encontrará forças para trilhar o caminho da vida.
Davi sabia muito bem o que significa ser animado pelo Senhor. Em certa ocasião, ao voltar de uma batalha, Ziclaque (a cidade onde ele e seus soldados moravam) havia sido atacada pelos amalequitas. A cidade fora destruída pelo fogo, e suas mulheres, filhos e filhas haviam sido levados como prisioneiros. Uma situação angustiante!
“E Davi muito se angustiou, porque o povo falava de apedrejá-lo, porque a alma de todo o povo estava em amargura, cada um por causa dos seus filhos e das suas filhas; todavia Davi se fortaleceu no Senhor seu Deus.” (1Samuel 30.6). Davi “encontrou forças no Senhor” (NVI) e buscou o Senhor (v.7).
Estamos angustiados? Não adianta culpar Deus, a situação, os outros ou a nós mesmos. Isso não vai adiantar nada. Temos duas opções: deixarmos a amargura tomar conta do nosso coração ou deixarmos a presença do Pastor inundar o nosso coração.
Como está numa situação parecida com a de Davi? Reanime-se no Senhor! Levante-se! Recomece! Certamente o Senhor lhe dará forças para recomeçar.
Terceira ação pastoral de Deus: DIREÇÃO (v.3b)
“guia-me nas veredas da justiça por causa do seu nome” (v.3b). A palavra “nas veredas” (hebr. bema‘gele) refere-se aos “trilhos das carroças”, por onde caminham os rebanhos conduzidos pelos pastores.
Não somente precisamos buscar a proteção de Deus, mas também, a orientação de Deus para um viver correto.
Se somos guiados pelo Pastor, certamente andaremos nos trilhos da justiça e da integridade. Não é necessário trapacear ou mentir para se dar bem na vida. Basta confiar no Deus Pastor e seguir suas orientações.
Quarta ação pastoral de Deus: CONSOLO (v.4)
“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam” (v.4). Aquele que tem o Senhor como seu pastor pode dizer “ainda que”. O salmista não diz “se eu não andar pelo vale da sombra da morte”. Mas diz “ainda que”.
Observemos a expressão “vale da sombra da morte”. Refere-se aos desfiladeiros escuros por onde passavam o pastor e seu rebanho; seria um lugar perigoso, pois lá os predadores (leões, lobos ou ursos) poderiam estar à espreita.[4] Quando uma ovelha entrava naquelas gargantas escuras, lá estava o pastor para protegê-la dos perigos mortais. Da mesma forma, Javé cuidava de Davi. E por isso ele podia dizer: “não temerei mal algum”.
Quando dizemos “não temerei mal algum”, isso significa que o medo não está controlando nosso coração.
Você até pode sentir medo. Mas que o medo não seja maior do que a fé.
Observemos porque Davi não tinha o seu coração tomado pelo medo: “porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam”. É a certeza da presença de Deus em nossa vida que dissipa todo o medo. A “vara” era uma arma (cf. 2Sm 23.21), e certamente o pastor a usava para afugentar, ferir ou matar os animais ferozes que ameaçavam suas ovelhas. Já a palavra “cajado”,“bordão” também pode ser traduzida como “apoio”.[5]Ao livrar a ovelha da boca dos animais ferozes, o Pastor provê apoio à ovelha, e isso traz consolo para a ovelha.
O Deus Pastor é o Deus Consolador, por isso sempre podemos orar como salmista: “conforta-me novamente” (Sl 71.21).
A esposa de um pastor amigo meu repentinamente ficou enferma, e depois de dois dias veio a falecer. Diante do caixão de sua esposa, aquele pastor disse: “Estamos chorando. Estamos no vale. Mas Deus vai nos tirar do vale. Não existe vale tão profundo do qual Deus não possa nos tirar”.
Conclusão
Deixe o Supremo Pastor pastorear sua vida, e assim você receberá dele a segurança, o ânimo, a direção e o consolo.
A ovelha pode estar ferida, pode estar sangrando, por estar com medo, por estar sendo ameaçada, mas nunca estará abandonada. Isso porque, mesmo diante das ameaças, a ovelha continua sendo ovelha, e o Pastor continua sendo Pastor.
“O Senhor é o meu pastor”. Você pode fazer essa oração agora?
[1]PACKER, J. I.; NYSTROM, Carolyn. O Deus que nos guia e guarda: direcionamento divino para as decisões da vida. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 30.
[2]Kirst, Nelson et al. Dicionário hebraico-português e aramaico-português. 16a edição. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2003, p. 151.
[3] BACON, Betty. Estudos na Bíblia Hebraica: exercícios de exegese. São Paulo: Vida Nova, 1991, p. 114.
[4] CHISHOLM, Robert B., Jr. Da exegese à exposição, p. 266.
[5] AUSTEL, Hermann J. mish‘enet. In: HARRIS, R, Laird; ARCHER, Jr, Gleason L.; WALTKE, Bruce K. Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, verbete 2434d, p. 1598.