O DOM DE LÍNGUAS

Postado em 15 de julho de 2019 por

Categorias: Pregações

Pr Luciano R. Peterlevitz – Igreja Batista Bela Vista, 14.07.2019

TEXTO: 1Coríntios 14.1-40.

Introdução

Inicialmente, alguns pontos precisam ser esclarecidos:

1º) O tipo de língua mencionado aqui em 1Coríntios 14 não é um idioma estrangeiro.

É evidente que a “outra língua” não é um idioma de determinada etnia. Vários estudiosos do Novo Testamento já demonstraram que as línguas mencionadas em 1Coríntios 14 são diferentes das línguas mencionadas em Atos 2. Aqui em 1Corintios 14, aquele que “fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios” (v.2). A “outra língua” é dirigida a Deus, e não aos homens. De acordo com o v.28, trata-se de uma fala voltada a si mesmo e a Deus.Portanto, não se trata de uma língua estrangeira. Não faria sentido eu orar em chinês só para mim mesmo e para Deus!

As línguas de Atos 2 tinham como propósito a evangelização. As línguas de 1Coríntios 14 visavam a edificação da igreja. 

Concordo com a afirmação do pastor americano John Piper: em 1Co 12-14, Paulo está se referindo a uma língua proferida em um estado de êxtase e que não tem significado algum para os homens. Concordando com isso, Leon Morris faz a seguinte declaração sobre essas línguas: “Linguajar extático em língua não conhecida, e sob a influência do Espírito, parece que é o que Paulo quer dizer”.[1] Eram línguas de homens e de anjos (1Co 13.1). “É um tipo de expressão que ocorre quando o seu coração está cheio, transbordante no Espirito Santo”, diz Piper. Este mesmo pastor ainda relata que, em dado momento de sua vida, pediu o dom de línguas, mas a resposta de Deus foi um não incisivo. Assevera que ainda continua pedindo, mas até agora o Senhor não lhe concedeu.

É verdade que existe muita esquisitice no meio evangélico. É verdade que muitas pessoas dizem ter dom de língua, mas o que falam é simplesmente um conjunto de sons de desconexos, e nada mais. Mas isso não anula o dom de línguas referido em 1Coríntios 14.

2º)O dom de línguas não é evidência de espiritualidade superior, nem é resultado do batismo do Espírito.

Segundo a doutrina do pentecostalismo clássico, quem não fala em línguas não tem o Espírito Santo. Com todo respeito aos meus irmãos pentecostais, o Novo Testamento não relaciona dom de línguas com batismo no Espírito Santo. Para aqueles que almejam compreender melhor o que a Bíblia ensina sobre o batismo do Espírito Santo, e qual o significado do batismo do Espírito Santo no livro de Atos, recomendo a leitura do livro de John Stott, Batismo e plenitude do Espírito Santo: o mover sobrenatural de Deus (São Paulo, Vida Nova, 2007).

O dom de línguas é um dom. Veja 1Co 12.30. Nem todos cristãos tem esse dom. Eu não tenho o dom de línguas. Isso não me faz um cristão de “segunda categoria”.

3º)Os “dons sobrenaturais” (dons de cura, línguas e interpretação de línguas) não foram abolidos, depois do fechamento do cânon do Novo Testamento.

Alguns pastores e teólogos acreditam que os dons sobrenaturais (dons de cura, línguas e interpretação de línguas) foram concedidos à igreja restritamente no período apostólico. A igreja não tinha ainda a Escritura do Novo Testamento, e as línguas eram meio de comunicação de Deus às igrejas. Depois que os livros do Novo Testamento foram escritos e reunidos numa único corpo literário, não havia necessidade de Deus se comunicar pelas línguas, visto que a igreja tinha em mãos os Escritos sagrados dos apóstolos, através dos quais Deus se comunica com o seu povo. Assim, os dons sobrenaturais teriam cessado e não seriam mais concedidos pelo Espírito Santo para a igreja atual.

A meu ver, esse argumento é muito fraco. Não há nenhuma base bíblica para se afirmar que os dons sobrenaturais cessaram (salvo uma interpretação equivocada de 1Coríntios 13.8-10!).  

Em 1Coríntios 12.9-10,28, o apóstolo Paulo afirma claramente que o dom de línguas e o dom interpretação de línguas, junto com o dom de curar, são concedidos pelo Espírito Santo, conforme Ele quer.

1Coríntios 14 apresenta três afirmações centrais:

1. O dom da profecia é superior ao de línguas: v.1-19

Nesses v.1-19, fica claro que o dom de línguas não é o dom mais importante.

Para William Barclay, aqui nesse texto, “a profecia não tem nada que ver com a predição do futuro, mas sim significa proclamar a vontade e a mensagem de Deus” [2]

V.2-5: Aquele que fala em línguas, não fala a homens, mas a Deus. Ninguém entende. O falar línguas visa a edificação pessoal. A profecia visa a edificação da igreja.

V.7-11: O dom de línguas, sem interpretação, não tem proveito nenhum. O som dos instrumentos musicais precisa estar afinado (v.7). O som de uma trombeta na batalha precisa comunicar claramente se os soldados devem atacar ou recuar (v.8). As palavras nos diálogos precisam ser compreendidos (v.9). Você já conversou com alguém, e teve dificuldades para entender o que a pessoa dizia? Do mesmo, o dom de línguas só pode ser utilizado na igreja se os ouvintes compreenderem o que está sendo dito.

V.12-19: é preciso buscar a edificação da igreja (v.12). O dom de língua precisa ser interpretado (v.13) e compreensível (v.14,15). V.15: “Também orarei com a mente”. Moody explica: “significa orar de modo que haja fruto na compreensão dos ouvintes, como indicam os versículos seguintes”.

2. O dom de língua causa confusão na mente dos incrédulos, ao passo que dom da profecia o conduz à conversão:v. 20-25 

Barclay, comentando os v.20-25, afirma corretamente: “Paulo ainda está tratando da questão do falar em línguas. Começa com um chamado aos coríntios para que não ajam de maneira infantil. Essa paixão pelo falar em línguas e sua sobrevalorização era em realidade uma sorte de ostentação infantil, o produto do desejo de exibir-se como meninos precoces.”[3]

“Há quem acredite que falar em línguas é sinal de maturidade espiritual, mas Paulo ensina que é possível exercitar esse dom sem espiritualidade nem maturidade.”[4]

V.21. É uma citação de Is 28.11-12. As terras de Israel foram invadidas pelos assírios. Os israelitas ouviram uma linguagem estranha, a linguagem dos assírios. Israel não ouviu a palavra que foi claramente proclamada pelos profetas. Então, Deus enviou um povo com uma linguagem estranha.

V.22. Israel, quando ouviu a linguagem dos assírios, deveria ter se arrependido dos seus pecados e buscado a Deus. Mas continuou na dureza dos seus corações. Assim, aquela linguagem ininteligível pronunciada pelos assírios, tornou-se um “sinal”não somente para o Israel incrédulo, mas também para todos os incrédulos. As línguas incompreensíveis tornam os céticos ainda mais céticos.

Porém, conforme expõe Paulo nos v.23-25, não queremos que os incrédulos fiquem ainda mais incrédulos. O objetivo de qualquer fala na igreja não é endurecer o coração do incrédulo, mas sim, quebrantá-lo. No v.23, Paulo argumenta: se um incrédulos entra em um lugar onde todo mundo está falando em línguas, ele vai achar que entrou em um hospício e não em uma igreja. 

O resultado da profecia (pregação) ao incrédulo:

Ele é convencido (v.24). O incrédulo é convencido que precisa de salvação.

Eleé julgado (v.24). Quando a Palavra de Deus é claramente pronunciada, “o homem se dá conta de que deve responder pelo que realizou.”[5]

Os segredos do seu coração lhe são revelados (v.25). O incrédulo percebe o estado degenerado do seu coração.

Prostra-se com a face em terra e adora a Deus (v.25).

Testemunha que Deus está no meio da igreja (v.25).

3. É preciso haver ordem e decência no culto: v.26-40

V.27-28. Se alguém fala em outra língua, será necessário haver interpretação. Caso contrário, a maldição da torre de Babel irromperá no culto. Deus não é Deus de confusão (v.33).

‘O evangelista D. L. Moody dirigia um culto e pediu a um homem para orar. Aproveitando a oportunidade, o homem estendeu a oração a ponto de parecer que não teria fim. Sentindo que aquela oração prejudicava a reunião em vez de abençoá-la, Moody disse em voz alta: ‘Vamos cantar um hino enquanto nosso irmão termina de orar!’ Os que dirigem as reuniões da igreja precisam de discernimento… e de coragem.”[6]

Se houver interpretação, fale dois ou três, e isto sucessivamente (v.27).

A ordem no v.28 é muito clara: se não houver quem interprete, aquele que tem o dom de língua precisa ficar calado na igreja, falando consigo mesmo com Deus.

Conclusão

Os v.39-40 concluem todo o pensamento desse capítulo. Portanto, são versos apropriados para concluir nossa mensagem. Precisamos procurar com zelo o dom da profecia (o dom de proclamar a vontade de Deus aos homens), e não proibir o falar em outras línguas. “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem”.

De tudo o que vimos em 1Coríntios 14, há algo fundamental que precisamos notar: existe um mundo espiritual que precisa ser acessado pela linguagem da oração. Pela linguagem da oração, conduzida pelo Espírito Santo, falamos a Deus (com ou sem o dom de língua) e ouvimos a Deus (profecia).


[1] MORRIS, Leon. 1Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1981, p. 138.

[2]Barclay, William.Comentário do Novo Testamento William Barclay: 1Coríntios, p. 128.

[3]Barclay, William.Comentário do Novo Testamento William Barclay: 1Coríntios, p. 131.

[4]Wiersbe, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento, volume I.  Santo André: Geográfica editora, 2006, p. 803.

[5]BARCLAY, William. Comentário do Novo Testamento William Barclay: 1Coríntios, p. 132.

[6]WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento, volume I, p. 805.