A leitura apocalíptica da história no livro de Daniel – Perspectivas

Postado em 25 de outubro de 2018 por

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Luciano R. Peterlevtz – Artigo publicado no site da Teologia Brasileira (Edições Vida Nova – www.vidanova.com.br).

Introdução

Certamente o livro de Daniel relata algumas das mais inspiradoras histórias da Bíblia. É Daniel e seus amigos preferindo legumes às finas iguarias do rei Nabucodonozor. É Sadraque, Mesaque e Abednego que, optando pela fidelidade a Deus, foram jogados na fornalha ardente, mas nem sequer um fio de cabelo deles foi chamuscado pelo fogo. É Daniel sendo liberto da boca dos leões.

Mas, além das narrativas, os relatos da sucessão dos impérios desempenham um papel fundamental no livro, nos capítulos 2, 7 e 8. A questão principal é a identificação dos reinos nos capítulos 2 e 7, e qual a relação deles com o capítulo 8. Para tal identificação, faz-se necessária uma datação do livro. Por isso, a proposta desse artigo é investigar as perspectivas de interpretação, principalmente dos capítulos 2 e 7, para entendermos a leitura da história humana no livro de Daniel.

  1. As perspectivas

Tradicionalmente o livro de Daniel foi datado na época do exílio babilônico, no século 6 a.C. (cf. Dn 1.1-2). Mas, já no início da Igreja, um opositor do cristianismo, Porfírio (232-303 d.C.), questionou a autoria do Daniel histórico, afirmando que o livro é oriundo do 2o século a.C., da época de Antíoco IV Epifâneo (175-163 a.C.). Essa maneira de datar o livro foi desenvolvida pela erudição crítica dos séculos 18 e 19.

Assim, configuram-se duas perspectivas que dizem respeito à datação de Daniel, que influenciam diretamente na interpretação da leitura apocalíptica do livro:

1) Datação na época dos Macabeus ( 2o século a.C.): o livro seria uma retrospectiva, desde o império babilônico até o reinado dos Selêucidas.

2) Datação na época do exílio (6o século a.C.): o livro seria uma perspectiva, uma profecia sobre a sucessão dos impérios, desde o babilônico até o romano.

A adoção de uma dessas perspectivas influenciará diretamente na interpretação do livro de Daniel, sobretudo ao que diz respeito os capítulos 2, 7 e 8. Além disso, para uma análise das visões do livro, é preciso observar o gênero apocalíptico e sua leitura da história.

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2. A apocalíptica e a leitura da história

Grande parte da erudição bíblica contemporânea crê que o livro de Daniel é um apocalipse. Com essa definição, afirma-se não somente o gênero do livro, mas também se constroem alguns paradigmas interpretativos de Daniel. Pois, com ‘apocalíptica’, se quer afirmar um gênero que edifica seus textos a partir de alguns elementos

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: a ficção – o autor se vale de estórias lendárias e sobre elas reescreve um novo texto visando à edificação de seus ouvintes; a pseudonímia – o autor escreve em nome de um personagem famoso de um passado remoto; o vaticinium post eventum (profecia sobre algo que já aconteceu); além de sonhos, visões, aparições angelicais e símbolos enigmáticos. Segundo essa percepção, Daniel é parte de textos apocalípticos judaicos que floresceram principalmente a partir dos séculos 3 e 2 a.C. Essa posição é defendida por aqueles que datam Daniel na época dos macabeus.

É verdade que nos séculos 3 e 2 a.C. os apocalipses judaicos se proliferaram, e os elementos literários acima alistados caracterizam esses textos. Livros como Enoque, e os apocalipses atribuídos a Baruque, Moisés e Abraão realmente foram escritos por pseudônimos que se passavam por grandes figuras do passado judaico, e suas “profecias” constituem uma retrospectiva do passado.

Mas será que os critérios hermenêuticos para Daniel são os mesmos para os apocalipses judaicos?

Respondendo essa pergunta, normalmente os eruditos que alocam Daniel no século 6o a.C. vão afirmar que realmente encontramos no livro sonhos, visões e símbolos. E certamente esses elementos, somados à ausência total de ditos proféticos (do tipo “assim diz o Senhor”), fazem com que o texto de Daniel seja diferente dos demais livros proféticos. Mas será que a pseudonímia e a ficção estão presentes em Daniel? Na verdade, é possível afirmar que Daniel inaugura um novo gênero literário, a apocalíptica, mas não precisamos afirmar que o texto faça uso da ficção e pseudonímia, como fizeram os demais livros apócrifos judaicos. Além disso, afirma-se que os escritos apocalípticos judaicos tinham suas raízes “nos ensinos dos grandes profetas de Israel, bem como no livro de Daniel”

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. Assim, não foram os apocalipses judaicos que influenciaram Daniel, mas foi Daniel que influenciou aqueles escritos.

Para se sustentar que Daniel é um gênero fictício, escrito por um pseudônimo no século 2o a.C., muitos estudiosos alegam que existem sérios problemas históricos no livro de Daniel. Alistemos, a seguir, três supostos erros históricos no livro de Daniel:

1) Belsazar

Belsazar é figurado no texto como o último monarca babilônico (Dn 5), quando na verdade, historicamente, o último rei da Babilônia foi Nabonido. Segundo alguns textos cuneiformes descobertos em 1854, Belzasar era filho de Nabonido, o último monarca da

1 STORNIOLO, Ivo. O livro de Daniel – Reino de Deus x Imperialismo. São Paulo: Paulus, 2003, p.09-10 (Série Como Ler a Bíblia); DINGERMANN, Friedrich, “O anúncio da caducidade deste mundo e dos mistérios do fim. Os inícios da apocalíptica no Antigo Testamento”, em SCHREINER, Josef (organizador.), Palavra e Mensagem do Antigo Testamento, São Paulo, Editora Teológica, 2a ed., 2004, p.423-427. 2 WALLACE, Ronald S. A mensagem de Daniel. São Paulo: ABU Editora, 1985, p.13.

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Babilônia. “Ele nunca é intitulado ‘rei’ nesses textos, porém exerceu autoridade régia durante a ausência de seu pai, e é mencionado ao lado dele em fórmulas de juramento.”

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Há, ainda, uma informação importante sobre Belsazar:

“Provavelmente era neto de Nabucodonozor II e, de conformidade com a Crônica de Nabonido, seu pai lhe ‘confiou o exército e o reino’, e 556 a.C., quando Nabonido faria campanha na Arábia central, e onde eventualmente permaneceu num espaço de dez anos. Belsazar governava na própria Babilônia. É possível que Daniel tenha datado os acontecimentos acompanhando os anos dessa co-regência (Dn 7.1; 8.1), embora a computação oficial dos documentos tenha continuado a usar os anos do reinado do próprio Nabonido”.

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2) Dario, o medo

Dario, o medo, é apontado no texto como o monarca que se apossou do reino babilônico (5.31). Mas historicamente os medos não derrubaram o poderio babilônico. Na verdade, foi Ciro, o persa, o conquistador da Babilônia. Mas como entender 5.31?

É bem provável que “Dario” fosse outro nome de Ciro. A estrutura sintática de 1Cr 5.26, que alude a um mesmo personagem assírio por dois nomes, assemelha-se com Dn 6.28, que pode muito bem ser traduzido assim: “Daniel, pois, prosperou no reinado de Dario, isto é, no reinado de Ciro, o persa”. “Este é frequentemente o sentido da partícula hebraica que usualmente é entendida como a conjunção ‘e’…”5 Além disso, “em Dn 11.1, a LXX e Teodócio têm ‘Ciro’ em vez de Dario, o meda. Isso sugere que o tradutor grego tinha conhecimento do duplo nome, preferindo usar o que era mais conhecido para evitar que os leitores se confundissem.”

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3) Os medos

Outro suposto erro histórico no livro de Daniel é a menção do império Medo como sucessor da Babilônia. A Bíblia de Jerusalém, numa nota de rodapé de 7.5, afirma, sobre o segundo animal descrito na visão narrada em Daniel 7: “O reino dos medos: segundo as concepções históricas do livro, os medos sucedem imediatamente os babilônios”.7 Entretanto, a Média, no texto bíblico, não é um reino separado da Pérsia. Isso está muito claro em 8.3-4,20, onde o reino dos Medos e dos persas são representados por um animal. A própria Bíblia de Jerusalém, comentando 8.3, observa: “O mais alto dos chifres é o poderio persa, que prevalece sobre a potência dos medos (v.20), unindo-a a si antes de suceder-lhe”.

Historicamente o reino dos medos foi incorporado ao império persa. “Um Estado poderoso dos medos existiu no oeste da Pérsia, participando do saque de Nínive (612

3 MILLARD, Alan R. “Daniel”, em FRUCE, F.F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2009, p.1174. 4 DOUGLAS, J. D. (organizador). O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Junta Editorial Cristã, Vol. 1, 1966, p.200. 5 BALDWIN, Joyce G. Daniel – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova e Mundo Cristão, 1983, p.29. 6 BALDWIN, Joyce G. Daniel – introdução e comentário, p.30. 7 Bíblia de Jerusalém, São Paulo, Sociedade Bíblica Internacional e Paulus, 9a edição, 1994, p.1697.

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a.C.), derrotado por Ciro, o persa, em 549 a.C. e anexado ao seu reino; Ciro provavelmente era neto do rei medo derrotado”.

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A partir de então, ‘medos’ e ‘persas’ foram entendidos como termos intercambiáveis. Prova dessa afirmativa é o fato de os persas serem chamados pelos gregos de ‘medos’ (Tucídides 1.14). Portanto, mais uma vez percebe-se que não há nenhum equívoco histórico no livro de Daniel.

Portanto, as três referências históricas acima (Belzasar; Dario, o medo e os medos) estão em conformidade com a história do Antigo Oriente Médio. Por isso é altamente questionável a afirmação de que a apocalíptica de Daniel seja uma ficção escrita por um pseudônimo.

  1. As perspectivas dos sonhos e das visões do livro de Daniel

Vejamos agora um esboço dos capítulos 2, 7 e 8, notando as duas perspectivas interpretativas do livro: aquela que data Daniel no 2o século a.C. e aquela que data o livro no 6o século a.C.

A estátua compósita – Dn 2

O sonho de Nabucodonosor: v.28-35

A interpretação do sonho: v.36-45.

A perspectiva do 2o século a.C.:

Cabeça de ouro (v.32, 37-38): império babilônico

Peito e braços de prata (v.32, 39): império medo

Ventres e quadris de bronze (v.32, 39): império persa

Pernas de ferro e pés de ferro e barro (v.33, 41-42): império grego, com Lágidas e Selêucidas.

A pedra que esmiúça a estátua (v.34-35, 44-45). A resistência dos macabeus contra Antíoco IV Epifâneo.

A perspectiva do século 6o a.C:

8 MILLARD, Alan R. “Daniel”, em FRUCE, F.F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento, p.1176.

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A cabeça de ouro (v.32) – império babilônico.

Peito e braços de prata (v.32) – império Medo-Persa. Ciro, rei persa, chefiou uma coligação da Média e da Pérsia (v.39). Daniel 5 narra o fim da Babilônia, que passou a ser governada pelo reino Medo-Persa (5.31).

Ventres e quadris de bronze (v.32,39) – Império grego. Alexandre venceu os medo-persas e assumiu o monopólio mundial.

Pernas de ferro e pés de ferro e barro (v.33). O império romano, que sucedeu aos gregos. Era forte, mas a mistura de reinos (“ferro” e “barro”) o enfraqueceu (v.41- 43).

A pedra que esmiúça a estátua (v.34-35, 44-45). O Messias, Jesus, surgiu no tempo do império romano. O Império Romano acabou; o reino de Cristo triunfou. Cristo é a “pedra angular” que esmaga aquele sobre quem ela cair (Mt 21.42-44).

Os Quatro animais – Dn 7

O sonho e a visão de Daniel: v.1-8.

A interpretação do sonho: v.16-27.

Perspectiva do 2o século

O primeiro animal: semelhante a um leão com asas de águia (v.4, 17). Império babilônico.

O segundo animal: semelhante a um urso (v.5, 17). Império Medo.

O terceiro animal: semelhante a um leopardo (v.6, 17). Império Persa.

O quarto animal, terrível (v.7, 11, 17, 19-26). Os ‘dez chifres’: reis selêucidas. O chifre ‘pequeno’ é Antíoco IV Epifâneo.

Perspectiva do 6o século

O primeiro animal: semelhante a um leão com asas de águia (v.4, 17). Império babilônico.

O segundo animal: semelhante a um urso (v.5, 17). Império Medo-Persa.

O terceiro animal: semelhante a um leopardo (v.6, 17). Império Grego.

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O quarto animal, terrível (v.7, 11, 17, 19-26). Império Romano. Número ‘dez’ simbólico: sucessão de vários reinos. O chifre ‘pequeno’ é o anticristo.

O carneiro e o bode – Dn 8

A visão: v.1-14

A interpretação: v.15-26.

A perspectiva do 2o século e a do 6o século concordam que:

1) O carneiro (v.3-4, 20): é o Império Persa. Os ‘dois chifres’ são os reis da Média e da Pérsia (v.20).

2) O bode (v.5-8): Império de Alexandre. ‘quatro chifres notáveis’ (v.8): os generais de Alexandre, entre os quais o império grego foi divido: Cassandro (Grécia e Macedônia), Ptolomeu (Egito, Arábia e Palestina), Lisíamaco (Trácia e Bitínia) e Selêuco (Síria e Babilônia).

Porém, há certas discordâncias entre essas perspectivas. A perspectiva do 2o a.C. afirma que o capítulo 8 é paralelo aos capítulos 2 e 7. Para a Bíblia de Jerusalém, o capítulo 8 “é a visão do capítulo 7, retomada de maneira mais explicita.”

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O chifre “pequeno” de 7.8 seria o mesmo de 8.9: trata-se de Antíoco IV Epifânio. Entretanto, para aqueles que datam Daniel no 6o século, o “capítulo 8 nem sequer menciona o fim do tempo ou a vinda do reino celestial, concentrando-se na purificação do santuário (8.14)10. Diferente dos capítulos 2 e 7, esse capítulo 8 focaliza somente dois reinos: o Medo-Persa e o Grego (8.20). Assim, o chifre de 7.8 não pode ser identificado com o chifre de 8.9.

“Este chifre pequeno do capítulo 8 é diferente do pequeno chifre do capítulo 7. O capítulo 7 fala do anticristo escatológico que emerge do quarto reino (o império romano). O pequeno chifre do capítulo 8 emerge dos quatro reis oriundos da queda do grande rei grego, Alexandre Magno. E esse pequeno chifre é o maior protótipo do anticristo escatológico.”

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No quadro abaixo temos as perspectivas dos capítulos 2, 7 e o de Daniel

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. O quadro também traz a perspectiva dispensasionalista.

9 Bíblia de Jerusalém, p.1669. 10 BALDWIN, Joyce G. Daniel – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova e Mundo Cristão, 1983, p.66. 11 LOPES, Hernandes Dias. Daniel – Um homem amado no céu, p.102. 12 MILLARD, Alan R. “Daniel”, em FRUCE, F.F. Comentário Bíblico NVI – Antigo e Novo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2009, p.1178. O autor ainda coloca uma quarta perspectiva, a de “Alexandre”, que, junto com a Tradicional e Dispensacionalista, considera a Média e a Pérsia um só reinado, mas, diferente de todas as demais, identifica o império de Alexandre como um elemento distinto dos reis gregos que o sucederam.

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Capítulo 2 Capítulo 7 Capítulo 8 Ouro Prata Bronze Ferro Leão Urso Leopardo Quarto Chifres

s Animal

Carneiro Bode Quatro Chifre sd chifres pequeno Babilônia

Média

Pérsia

Alexandre

Reis Gregos

Antíoco IV

Roma

Anticristo

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T: Perspectiva Tradicional / M: Perspectiva dos macabeus

D: Perspectiva dispensacionalista.

  1. Dificuldades da perspectiva do século 2o

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Existem muitas dificuldades para datarmos o livro de Daniel no período macabeano.

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Alisto abaixo somente aquelas que dizem respeito à interpretação dos capítulos 2, 7 e 8.

1) Para aqueles que datam Daniel no segundo século a.C., o ‘reino’ é a implantação do governo dos macabeus contra a opressão de Antíoco IV Epífaneo. A pedra que esfacelou a estátua compósita (2.34-35), símboliza do Reino de Deus, seria a “alternativa político-econômica projetada durante a revolta dos Macabeus contra Antíoco IV Epífanes”.14 Entretanto, o reino inaugurado pela pedra “subsistirá para sempre” (2.44). O reino entregue aos santos é um reino que “jamais será destruído” (7.14). É indubitável que o reino de Deus no livro de Daniel transcende à proposta político-econômica.

2) Aqueles que datam o livro de Daniel no 2o a.C. século afirmam que o texto é uma retrospectiva do passado. Mas segundo o texto bíblico, Daniel olha para frente, e não para trás: “O Grande Deus fez saber ao rei o que há de ser futuramente” (Dn 2.45; cf. 8.26).

3) A perspectiva do 2o século a.C., para identificar as pernas de ferro/pés de ferro e barro de Daniel 2 e o quarto animal terrível de Daniel 7 com o Império Grego, afirma que, na cosmovisão bíblica, os Medos formaram um império separado dos Persas. Mas, como demonstramos acima, isso não condiz com o próprio texto (8.20), e historicamente o reino Medo foi incorporado ao império Persa.

4) Na perspectiva do livro de Daniel, há esperança para os tiranos. Mas será que os macabeus ou os hasidim dariam alguma esperança de conversão para Antíoco IV Epifâneo? Para engendrar a datação de Daniel no 2o século a.C., geralmente alguns estudiosos afirmam que a primeira parte de Daniel (1-6) provém da diáspora judaica que alimentava certo otimismo em relação aos tiranos, crendo na conversão deles, enquanto que a segunda parte do livro (capítulos 7-12) é uma releitura da comunidade judaica, depois da perseguição de Antíoco no ano de 168/167 a.C.

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Entretanto, o modo como Nabucodonozor se humilha diante de Deus, no capítulo 4, e a forma como Dario reconhece a grandeza do Deus de Daniel (5.25-27) dificilmente se encaixa com a perspectiva dos judeus em relação à ditadura do imperialismo selêucida do 2 a.C.

  1. A teologia da história em Daniel

Por fim, faço alguns apontamos teológicos no livro de Daniel, que podem muito bem ser resumidos a partir de 2.21: é ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; ele dá sabedoria aos sábios e entendimento aos inteligentes.

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Lemos aí que o Senhor Deus é soberano sobre a história dos reis e das nações.

13 Veja as boas razões para situarmos o livro de Daniel no século 6 o a.C. em BALDWIN, Joyce G. Daniel – introdução e comentário, p.38-50. 14 STORNIOLO, Ivo. O livro de Daniel, p.30-31. 15 WIT, Hans de. “‘Brillarán los entendidos…’ – El libro de Daniel: persecución y resistencia.”, em Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana Vol./No. 35/36 (2000), p.134. 16 Sociedade Bíblica do Brasil. 2003; 2005. Almeida Revista e Atualizada – Com Números de Strong . Sociedade Bíblica do Brasil

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Nos capítulos 2 e 7 observa-se que a história humana está totalmente submetida à soberania divina. No capítulo 2, a pedra que vem do céu põe fim ao esplendor da estátua, símbolo dos grandes impérios humanos. Já no capítulo 7 é o Filho do Homem que vem do céu, e destrói os animais ferozes que afligiam a humanidade com seus intentos imperialistas. Em 7.3 lemos sobre a origem dos impérios: eles sobem do mar. Os reinos humanos tentam subir.

“Os quatro animais ‘subiam do mar’. Isso indica a origem dos reinos deste mundo: eles vem debaixo, emergem do oceano da humanidade e nele tornam a imergir. Assim como as ondas do mar sobem, mas forçosamente tem que descer novamente, nenhum reino ou império consegue manter-se sempre acima dos outros”.

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Certamente o reino de Deus “não vem de baixo, mas do alto. Não é de homens, mas de Deus. Por isso ele é eterno e não é temporal.”18

Mas há esperança, mesmo aos tiranos. Pois o pecado não está num sistema, mas no ser humano, e por isso, o que precisa ser restaurado não é um sistema, mas é o ser humano. Só há esperança para a história quando a natureza humana for restaurada por Cristo, tornando-se à imagem e semelhança de Deus. Em Daniel 7, encontramos um paralelo com 4.25-34. Nabudonozor é como uma árvore que chega “até os céus” (4.22). Mas foi humilhado, e transformou-se num animal irracional. Até que levantou os olhos ao céu, e clamou ao Senhor. Antes, ele olhava do céu para a terra. Agora ele olha da terra para o céu.

Ainda, para a construção da teologia da história a partir do livro de Daniel, é fundamental olharmos a figura do Filho do Homem (7.13). Esta figura se distingui nitidamente dos impérios simbolizados pelos quatro animais e pelos quatro materiais da estátua (Dn 2):

1) Os reinos são apresentados como feras, animais irracionais. Mas o “filho do homem”, que “vinha com as nuvens do céu”, contrasta com as feras. Baldwin diz acertadamente que “aquele que vem com as nuvens é semelhante a um ser humano no sentido de ser Ele é o que todo ser humano deveria ser se fosse realmente fiel ao modelo original, isto é, alguém feito à imagem de Deus (Gn 1.26, 27).”19 Portanto, há um nítido embate entre a figura do Filho do Homem e as animais irracionais. Os impérios humanos, ao contrário do Filho Homem, são mais à imagem de animais do que à imagem de Deus!

2) Os reinos do mundo são passageiros. O domínio do Filho do Homem é eterno. Essa é a teologia de Daniel: Deus é o Senhor da história (Dn 2.21).

3) Os reinos do mundo quiseram ser adorados (Dn 3), mas só o Filho do Homem será servido por todos “povos, nações e homens de todas as línguas”.

17 Osvaldo Litz, citado por LOPES, Hernandes Dias. Daniel – Um homem amado no céu. São Paulo: Hagnos, 2005, p.91 (Comentários expositivos Hagnos). 18 Osvaldo Litz, citado por LOPES, Hernandes Dias. Daniel – Um homem amado no céu. São Paulo: Hagnos, 2005, p.91. 19 BALDWIN, Joyce G. Daniel – introdução e comentário, p.151.

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Conclusão

Identificamo-nos com a perspectiva do 6o século a.C. Os capítulos 2 e 7, através de quatro elementos, descrevem a sucessão de quatro reinos, cada qual representando um império. Já o capítulo 8 vale-se de dois símbolos, que correspondem a dois reinos dos capítulos 2 e 7. O capítulo 11, que não abordamos nesse artigo, é uma afunilação do 8. Focaliza-se apenas um reino, dos gregos, que corresponde ao segundo elemento do capítulo 8 (o “bode peludo”).

Depois da tribulação narrada no capítulo 11, o capítulo 12 fecha o livro aludindo à ressurreição dos mortos. “No fim do livro, então, o autor novamente nos leva ao fim dos tempos, como já o fizera nos capítulos 2 e 7.”

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20 BALDWIN, Joyce G. Daniel – introdução e comentário, p.67.