A IDENTIDADE DO POVO DE DEUS

Postado em 25 de outubro de 2018 por

Categorias: Pregações

 

Mensagem pregada pelo Pr Luciano R. Peterlevitz no culto de gratidão a Deus pelos 30 anos da Associação Batista Centro Leste de São Paulo, em 16 de outubro de 2015

 

1Pedro 2.4-10:

4 e, chegando-vos para ele, pedra viva, rejeitada, na verdade, pelos homens, mas, para com Deus eleita e preciosa, 5 vós também, quais pedras vivas, sois edificados como casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, aceitáveis a Deus por Jesus Cristo. 6 Por isso, na Escritura se diz: Eis que ponho em Sião uma principal pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido. 7 E assim para vós, os que credes, é a preciosidade; mas para os descrentes, a pedra que os edificadores rejeitaram, esta foi posta como a principal da esquina, 8 e: Como uma pedra de tropeço e rocha de escândalo; porque tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados. 9 Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; 10 vós que outrora nem éreis povo, e agora sois de Deus; vós que não tínheis alcançado misericórdia, e agora a tendes alcançado.

 

 

Introdução

O roteiro do filme Desconhecido suscita uma reflexão a respeito da importância da nossa identidade pessoal. O personagem principal, Martin Harris (Liam Neeson), é um americano que estava viajando em Berlim, onde sofre um acidente de carro e perde todos seus documentos. Acorda depois de quatro dias de coma, sem saber sua verdadeira identidade, e para piorar, encontra outro homem usando sua identidade e casado com sua esposa.

O filme leva-me à seguinte reflexão: estar numa terra estrangeira sem nossa própria identidade é uma experiência muito difícil, e pior do que isso é encontrar outra pessoa assumindo nossa identidade.

De acordo com Pedro, nós, como povo de Deus, somos forasteiros e peregrinos (1Pe 1.1; 2.11). Não pertencemos a esse mundo. E nessa peregrinação, não podemos nos esquecer quem nós somos, ainda mais considerando que tantos grupos religiosos assumem nossa identidade. Atualmente há muitos grupos que ostentam a identidade de “igreja”. Há tantas igrejas e denominações. Ás vezes eu pergunto para mim mesmo se sou “evangélico”. Pois há tantas igrejas evangélicas com doutrinas e práticas tão distantes da Palavra de Deus. Precisamos urgentemente refletir quem nós somos.

Proponho uma reflexão a respeito de nossa identidade como povo de Deus, a partir de 1Pedro 2.4-10.

 

 

A identidade dos leitores de Pedro

Para uma compreensão adequada de 1Pedro 2.4-10, precisamos entender o pano de fundo da 1ª Epístola de Pedro. Esta carta foi escrita por Pedro por volta do ano 63 d.C., pouco antes do seu martírio ocorrido em 64 d.C. Naquela situação, o fogo da perseguição estava se levantando contra os cristãos (1Pe 4.12). Eles eram contristados por “várias provações” (1Pe 1.6).

Pedro escreveu esta carta com o propósito de encorajar aqueles crentes perseguidos, exortando-os a permanecer firmes da graça de Deus (1Pe 5.12).

Os leitores de Pedro eram estrangeiros e peregrinos (1Pe 1.1; 2.11). Tinham sido desarraigados da terra natal, por causa da perseguição. Perderam seus bens e suas casas. Mas não poderiam perder a memória de quem eram. Naquele contexto de perseguição, Pedro descreve a identidade deles, em 1Pe 2.4-10.Precisamos entender quem nós somos e como somos, sobretudo nesses dias em que há um levante declarado contra os valores da Palavra de Deus.

A principal a afirmação de 1Pedro 2.4-10 é que a igreja é uma unidade corporativa. É a comunidade do povo de Deus. É um grupo.Não éramos povo, mas agora somos povo de Deus (v.10).

Para melhor entender a comunidade que originalmente recebeu a carta de Pedro, eu recorro à pesquisa de John H. Elliott, que constatou duas palavras que orientam nossa compreensão da identidade do povo de Deus:[1]

1) paroikoi, “forasteiros” (1.1), termo que designa pessoas morando em terra estrangeira, que não possuem os mesmos direitos dos cidadãos. Essa era a situação social dos leitores de Pedro: estavam espalhados por toda a Ásia Menor (1.1.). Estavam longe de casa.

2) oikos, “casa”, uma referência à família universal do povo de Deus (2.5; 4.17).

O primeiro termo, paroikoi, significa “estar sem casa”, e segundo termo, oikos, significa “casa”. A oikos oferece segurança e proteção para os paroikoi (aqueles que estão sem casa). A carta de Pedro reitera que “aqui e agora a comunidade cristã constitui uma casa para os alienados e marginalizados”[2], e assegura aos cristãos forasteiros da Ásia Menor “que na comunidade cristã todos os sem casa encontram uma casa na família de Deus”[3].

Os “forasteiros” formam a comunidade do povo de Deus. Eles são acolhidos por Deus (1Pe 1.3), para formarem a comunidade de acolhimento (1Pe 4.7-10). Observamos então que nossa identidade é definida em termos da nossa relação para com Deus e em termos da nossa relação para com o mundo.

 

 

 

  1. A nossa identidade PARA COM Deus: v.4-8

No v.4, Pedro nos convoca para achegarmos a Deus, e no v.5 afirma que fomos estabelecidos para oferecermos um culto agradável a Deus. Portanto, nossa identidade é definida em termos da nossa relação com Deus.

 

Somos pedras que vivem: v.5

No v.4, Pedro afirma que Jesus é a pedra que vive. Apesar de rejeitada pelos homens, ela é eleita e preciosa para Deus.

Cristo, e não Pedro, é a pedra sobre a qual a igreja está edificada. O próprio Pedro ouviu de Jesus: Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mateus 16.18). E, dirigindo-se para o Sinédrio, Pedro afirmou que Jesus é a “pedra rejeitada por vós, os construtores, a qual se tornou pedra angular” (Atos 4.11).

Pedro diz que seus leitores eram pedras vivas identificadas com a pedra viva, Cristo: “também vós mesmos”, diz o início do v.5. Eles eram forasteiros e peregrinos. Tinham sido desalojados de suas casas por causa da perseguição. Mas eles precisavam saber que não eram somente forasteiros rejeitados pelos homens. Eles eram pedras vivas. O Senhor Jesus, a pedra viva, também tinha sido rejeita pelos homens. Mas essa pedra era preciosa, e, de igual forma, aqueles crentes da Ásia Menor, apesar de rejeitados pelos homens, eram preciosos aos olhos do Senhor.

Somos pedras que vivemporque recebemos vida da Pedra que vive. Jesus está vivo. Por isso temos esperança viva. O Senhor é o Deus vivo e presente. Ele não é o Deus dos mortos, mas é o Deus dos vivos.

A voz poderosa de Deus traz vida. Todos nós um dia ouvimos a voz poderosa de Deus, e saímos do nosso túmulo espiritual. Recebemos vida do Deus da vida.

Somos pedras vivas edificadas sobre a Pedra Angular Viva. Estamos sendo edificados pelo próprio Deus. No v.5, o verbo “sois edificados”, está na voz passiva: “estão sendo edificados”.  Somos pedras vivas na construção da “casa espiritual” que o próprio Deus está construindo. Essa construção (nossas vidas) não pode ser abalada porque Deus é o construtor e Cristo é o alicerce.

Então, ainda que sejamos forasteiros e peregrinos, na verdade, nós somos pedras vivas que são usadas na construção de Deus. E é isso que importa. Não precisamos temer, se a igreja de Cristo for severamente perseguida nos próximos anos. Porque as pedras vivas estão estabelecidas sobre a Pedra que esmiúça os impérios e reinos (Dn 2.45).

Às vezes que me pego preocupado com o futuro da igreja. A situação atual não é fácil, e o futuro da igreja parece estar comprometido, humanamente falando. O secularismo, o humanismo e o ceticismo têm tomado conta de nossas escolas, faculdades, universidades e até seminários teológicos, e nossos filhos tem recebido toda essa bagagem diabólica. No senado, leis que ofendem a Palavra de Deus estão sendo tramitadas. No cenário evangélico, muitas igrejas estão mercadejando a Palavra de Deus. Escândalos dentro da comunidade da fé evangélica levam os pagãos a blasfemarem contra Deus e contra Sua Palavra.

O que será de nós, povo de Deus?

Mas, meu coração se aquieta na presença de Deus, quando Ele, em Sua Palavra, me diz que as portas do inferno não prevalecerão contra Sua igreja, porque ela está fundamentada sobre a Rocha que é Cristo. Somos pedras vivas estabelecidas sobre a Pedra Viva. Não somos palhas levadas pelo vento.

 

Somos casa espiritual: v.5

Nós somos a casa de Deus. Cada um de nós somos pedras que formam a casa de Deus (1Tm 3.15; Hb 3.6). Somos o templo do Espírito Santo.

Nós estamos sendo estabelecidos como casa espiritual para sermos sacerdócio santo:“edificados como casa espiritual para serdes um sacerdócio santo”. No Antigo Testamento, o sacerdote era “santo”, ou seja, separado por Deus e para Deus. Era o representante do povo na presença de Deus. A comunidade de Israel também era uma comunidade sacerdotal (Êx 19.6), mas não podia se aproximar à presença de Deus (Êx 19.21: “E disse o Senhor a Moisés: Desce, adverte ao povo que não traspasse o termo para ver o Senhor, para que muitos deles não pereçam”). O povo de Israel se aproximava de Deus através dos sacerdotes.

Mas na nova aliança, Deus está presente em nós por Seu Espírito, e todos nós, pelo sangue de Cristo, temos livre acesso à presença de Deus.

Nós somos a manifestação da presença de Deus. Deus está em nós e entre nós! Oh, precisamos ser aquecidos com a presença da Glória do Senhor. Pois tantas vezes nossos corações estão petrificados, envolvidos no ativismo religioso. Estamos tão preocupados com reuniões, orçamentos, planejamentos, alvos, estratégias. Tudo isso é importante, mas não deve ocupar nosso coração mais do que a presença de Deus.

Deus manifesta Sua gloriosa presença em Seu povo e por meio do Seu povo!

No início do v.4 há uma ordem importante: “chegando-vos para ele”, melhor traduzido como “chegai-vos a ele” (BJ). O verbo está no particípio (ou seja, nós somos “aqueles que se aproximam” da “pedra viva”), mas, de acordo com alguns comentaristas, o particípio, aqui, apresenta a força de um imperativo.

Os sacerdotes do Antigo Testamento se aproximavam de Deus. Na nova aliança, toda a comunidade deve se aproximar de Deus. Observe: precisamos nos achegar à presença de Deus. A presença de Deus já é manifesta entre nós. Mas a presença de Deus não é automática ou mecanicamente usufruída por nós, até nos dispormos verdadeiramente a buscá-la.

Há uma força (como a “força da gravidade”) que nos puxa para baixo. Como disse Billy Graham, o diabo sempre tem um barco pronto para nos levar para longe de Deus. Mas a Palavra de Deus nos exorta para que nos aproximemos de Deus. “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós.” (Tiago 4.8).

É importante lembrarmos a situação dos leitores de Pedro: sofriam perseguições. Mas a perseguição não era razão ou justificativa para eles nãose aproximarem de Deus. Em meio ao fogo da provação, eles precisavam desejar, como criança recém-nascida, o genuíno leite espiritual, através do qual eles poderiam crescer espiritualmente (1Pe 2.2-3). A fé deles precisa amadurecer, apesar da situação difícil.

Isso é uma lição para nossas vidas. Porque temos a tendência de justificar nossa mediocridade espiritual pelas pressões que enfrentamos no cotidiano. Alguns dizem que não conseguem meditar na Palavra e orar por causa da escassez de tempo, ou por causa do estresse, ou por causa de problemas familiares ou por causa outros tipos de dificuldades. Mas nada pode impedir nosso crescimento espiritual.

 

Nós somos sacerdócio santo para oferecermos sacrifícios espirituais agradáveis a Deus: “a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”. Na antiga aliança, os sacerdotes ofereciam sacrifícios a Deus no tabernáculo ou no templo. Deus aceitava o culto de Israel mediante esses sacrifícios (Lv 1 – 6). No entanto, a comunidade da nova aliança não entrega animais sacrificados, mas entrega-se a si mesmo como ato de culto. Nossos sacrifícios são:

– nosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: Rm 12.2.

– o louvor dos nossos lábios que confessam o nome de Jesus: Hb 13.16.

– nosso dinheiro e bens materiais empregados no serviço de Deus: Fp 4.18.

– as vidas que se rendem ao Senhor Jesus, através do nosso serviço, são sacrifícios agradáveis a Deus: Rm 15.16.

Os sacrifícios espirituais devem ser aceitáveis/agradáveis a Deus. No Antigo Testamento, por diversas vezes Deus manifestou sua insatisfação em relação ao culto de Israel:

“Já estou farto dos holocaustos de carneiros, e da gordura de animais cevados; nem me agrado de sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes”. (Isaías 1.11).

“Odeio, desprezo as vossas festas, e as vossas assembleias solenes não me exalarão bom cheiro.” (Amós 5.21).

“Eu não tenho prazer em vós, diz o Senhor dos Exércitos, nem aceitarei oferta da vossa mão.” (Malaquias 1.10).

Equivocadamente podemos achar que Deus aceita automaticamente nosso culto. Mas às vezes precisamos refletir se o nosso culto tem sido agradável a Ele.

Quando o nosso culto desagrada a Deus? Quando ele não é oferecido por meio de Jesus Cristo: “a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo”.  Só podemos entrar na presença de Deus porque Cristo, nosso Sumo Sacerdote, ofereceu-se a Si mesmo como perfeito sacrifício, e entrou na presença de Deus. Precisamos de Cristo não somente para nossa justificação.Se cada ato é um ato de culto a Deus, e se o nosso culto é oferecido por meio de Jesus Cristo, então precisamos de Cristo para tudo o que fazemos. Todos os dias, quando abrimos os nossos olhos, precisamos declarar nossa dependência de Cristo.

 

Somos o povo da fé: v.7

Nos v.6-8 Pedro afirma que Jesus é a “pedra angular, eleita e preciosa” (v.6), que foi rejeitada pelos “descrentes” (v.7), e se tornou para eles “pedra de tropeço e rocha de ofensa” (v.8). Para aqueles que creem, contudo, Cristo é a pedra preciosa.

Há um contraste entre os descrentes e os crentes. Os descrentes rejeitam a pedra, enquanto os crentes consideram a pedra como “preciosa”. Os crentes edificam suas vidas sobre a pedra, Cristo (eles oferecem seus sacrifícios espirituais a Deus por meio de Jesus Cristo – final do v.5). Para os descrentes, Cristo é a pedra de tropeço e a rocha de ofensa. Os crentes caminham sobre essa pedra. Os descrentes tropeçam nessa pedra.

No início do v.7, Pedro afirma que o povo de Deus é o povo da fé (“os que credes”), e assim “ele fortalece os leitores com sua carta e os encoraja a depositar confiança em Jesus”[4]. Os crentes estavam sendo perseguidos, e precisam saber que essa perseguição era resultado da incredulidade daqueles que rejeitavam Cristo. Eles deveriam saber que jamais seriam envergonhados ou abandonados por Cristo.

Somos o povo da fé. Vivemos pela fé. Mas precisamos entender que nossa fé precisa ser renovada continuamente. O verbo “os que credes” (verbo pisteou) está no particípio presente ativo, transmitindo a ideia de continuidade. Portanto, “o ato de chegar-se a Jesus é um ato de fé que acontece não apenas uma vez, mas continuamente”[5]. A fé de ontem não serve para hoje. Porque hoje é o tempo de crer em Deus e em suas promessas. Assim, a fé precisa ser renovada a cada dia. É por isso que Paulo recomenda: “Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé…” (2 Coríntios 13:5).

Talvez muitos de nós precisam fazer essa oração: “Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!” (Marcos 9:24 – NVI). Ou seja: “Senhor, tu sabes que já temos fé, mas ajuda-nos a termos mais fé”.

 

 

 

A nossa identidade para com o mundo: v.9

No v.9, Pedro emprega quatro expressões significativas: “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus”. Todas essas expressões estão orientadas para o final do verso, onde se afirma que o povo de Deus foi estabelecido por Deus a fim de anunciar as “virtudes /grandezas” de Deus. Uma expressão parecida é encontrada em Atos 2.11: “todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus”. O próprio Pedro estava em Jerusalém quando várias nações ouviram falar das “grandezas de Deus”. Agora, aqui em sua carta, ele diz que a igreja é o povo chamado para anunciar as grandezas de Deus para as nações. Ou seja, esse v.9 define a identidade do povo de Deus em sua relação para com o mundo perdido.

 

Somos a raça eleita

O termo “raça” ou “geração” descreve a igreja de Cristo como a composição de uma nova raça de gente. Ela é “eleita”, ou seja, escolhida por Deus antes da fundação do mundo.

Precisamos lembrar que a nação de Israel foi escolhida a fim de ser benção para todas as nações do mundo (Gn 12.1-2). Do mesmo modo, a Igreja é nova raça eleita para proclamar as virtudes daquele que a chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.

 

Somos o sacerdócio real

No Antigo Testamento, o sacerdote representava o povo na presença de Deus. Agora todos nós, como povo de Deus, temos acesso à presença de Deus através de Cristo Jesus.

É “real”, porque é o sacerdócio que serve ao Rei dos reis, e também porque esse sacerdócio participa do reinado de Cristo (Ap 1.6; 5.10; 20.4,6; 22.5).

É importante reiterar, nesse ponto, que o sacerdote da antiga aliança entrava na presença de Deus a fim de interceder pelo povo. De modo que os “sacrifícios espirituais” que oferecemos a Deus (v.5), não é somente o nosso culto oferecido a Deus (Rm 12.2), mas é também um ato em favor de outros. É “um sacerdócio a favor dos outros, primeiramente dos irmãos (cf. 4.7-11), mas também daqueles que não fazem parte da família da fé, chegando mesmo àqueles que no presente os estão hostilizando e perseguindo (cf. 2.12,15-16; 3.1,9)”[6].

Nessa linha de pensamento, em 1Pe 2.12, Pedro explica que os cristãos devem apresentar uma conduta exemplar, para que os pagãos venham se converter ao Senhor:: “Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção.”  (NVI).

Paulo dizia que foi colocado como “um ministro de Cristo Jesus para os gentios, com o dever sacerdotalde proclamar o evangelho de Deus, para que os gentios se tornem uma oferta aceitável a Deus, santificados pelo Espírito Santo” (Romanos 15:16 – NVI). Quando os “gentios” se convertem, eles são consagrados como ‘ofertas’ a Deus.

O próprio Cristo apresenta-se como Sacerdote, pelo modo como Ele “se colocou entre Deus e os homens, para interceder por estes a Deus, por um lado, e outro lado para trazer a eles a palavra e as demandas de Deus”.[7]

Cristo foi enviado ao mundo pelo Pai, e a nós também somos enviados para mundo por Cristo: “assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós” (João 20.21).

Portanto, do mesmo modo como o sacerdote do Antigo Testamento conduzia os demais israelitas à presença de Deus, nós, como sacerdócio real, precisamos conduzir outras pessoas à presença de Deus.

Cada crente é um pontifix. Este termo, de origem latina, corresponde a nossa palavra “sacerdote”, e significa “construtor de pontes”. Cristo é o Sumo Sacerdote, porque Ele construiu a ponte entre Deus e os homens. Nós também somos sacerdotes: construímos pontes, levamos pessoas a Deus. Derrubamos muros, para construir pontes.

 

Somos a nação santa

Somos chamados para sermos santos, como é Santo aquele que nos chamou (1Pe 1.15). A “nação santa” é um povo separado por Deus para prestar um serviço para o mundo.

No Antigo Testamento, o substantivo qadosh, “santo”, deriva-se da raiz verbalkarat, “cortar”. Este termo originalmente era aplicado à atividade dos cortadores de pedras, nas pedreiras. As pedras eram cortadas e separadas para serem usadas em construções. Portanto, “separar” não sugere um isolacionismo, mas sim, uma separação com fins de participar de uma construção. Ora, isso é santidade: somos separados do mundo, mas não para vivermos isolados do mundo, mas para sermos usados na construção do reino de Deus nesse mundo. Assim, santidade é separar-se do mundo e, ao mesmo tempo, comprometer-se com a transformação do mundo.

Quando foi vocacionado por Deus, Isaías estava no templo (Is 6). Mas depois de ouvir o canto dos serafins que dizia “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos, a terra inteira está cheia da sua glória” (Is 6.3), o profeta se dispôs para sair do templo: “Eis-me aqui. Envia-me!” (Is 6.8).

A contemplação da santidade de Deus nos impulsiona para mundo, onde Deus está fazendo Sua obra.

Ser santo é ser diferente do mundo, mas de maneira alguma isso significa ser indiferente ao mundo. Aprendemos assim um princípio: quando contemplamos Deus, contemplamos o mundo que nos cerca.

 

Somos o povo de propriedade exclusiva de Deus

Ou seja, somos o povo comprado por Deus para pertencer exclusivamente a Deus.

Esse povo pertence a Deus para anunciar os grandes feitos de Deus: “para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”.

O profeta Isaías faz uma afirmação parecida: “A esse povo que formei para mim; o meu louvor relatarão.” (Isaías 43.21).

As “virtudes”, aqui em 1Pe 2.10, é a tradução do termo grego aretas, que pode ser traduzido como “grandezas” (NVI), “excelências” (BJ), “feitos maravilhosos de Deus” (BLH). Possivelmente a palavra corresponde ao hebraico tehillah, “louvor”. No livro dos Salmos, comumente os salmistas declaravam os grandes feitos de Deus. De acordo com o Novo Testamento, o abra de Cristo é o maior feito de Deus.

Nós somos o povo que celebra os atos poderosos de Deus!

 

Somos o povo que alcançou misericórdia: v.10

Veja a força do início do v.10: “Vós, que em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus”.

As “grandezas/virtudes” (v.9) que anunciamos se tornaram uma realidade em nossas vidas, e é por isso que devem ser anunciadas por nós.

A misericórdia de Deus é o fundamento de nossa missão no mundo. A misericórdia recebida nos transforma em transmissores de misericórdia.

Precisamos notar a expressão “que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia”. “As palavras do grego indicam que os leitores tinham vivido sem Deus durante um longo tempo, período este no qual haviam tentado, mas não tinham conseguido alcançar misericórdia para si.”[8] Vemos uma multidão de fieis fazendo promessas para uma imagem de Nossa Senhor Aparecida. São pessoas buscando desesperadamente misericórdia. Vemos radicais islâmicos explodindo-se a si mesmos e matando milhares de pessoas, por uma causa religiosa. São pessoas buscando desesperadamente misericórdia. Vemos pessoas buscando respostas para o vazio existencial, na filosofia ou nas religiões. São pessoas buscando desesperadamente misericórdia.

Nós também estávamos procurando misericórdia. Mas, Pedro diz: “mas agora alcançastes misericórdia”. Agora, alcançamos o que procurávamos. Alcançamos a graça e o perdão de Deus.

Não éramos povo. Agora somos povo de Deus. Não tínhamos recebido misericórdia, mas agora recebemos misericórdia.

Como falta graça em nosso meio evangélico! Recebemos misericórdia. Será que concedemos misericórdia?

Vida sem a graça não tem graça.

Só quem encontrou misericórdia poderá conceder misericórdia.

Há muitas pessoas em nossas igrejas que têm força de vontade para realizar a obra de Deus, mas não têm graça e misericórdia. Só força de vontade não basta. Pois, se eu tiver somente força de vontade, mas não tiver graça, eu certamente vou desistir do outro quando ele não corresponder às minhas expectativas.

Se nossas ações não forem movidas pela graça, nós só vamos ajudar o outro quando e enquanto nos for conveniente. Por isso, que essas palavras adentrem nossos corações: somos o povo que recebeu misericórdia, e agora, porque recebemos graça sobre graça, devemos transmitir misericórdia, anunciando os feitos poderosos de Deus àqueles que não encontraram misericórdia.

 

 

Conclusão

Precisamos entender quem nós somos em nossa relação para com Deus e quem nós somos em nossa relação para com o mundo.

Somos o povo separado por Deus e para Deus, chamado para anunciar as grandezas de Deus.

Todas as nossas ações devem estar voltadas para Deus. Mas quando nos voltamos para Deus, vamos entender que todas as nossas ações precisam estar voltadas para a sociedade, para que ela seja impactada pelas grandezas daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.

Precisamos parar de falar que nossos dias são difíceis. Nossos dias são dias de oportunidade! Nunca na história a igreja teve a oportunidade de compartilhar do evangelho como nos dias de hoje. Em nossos dias, temos as redes sociais. Temos a internet, que nos permite transmitir a mensagem do evangelho para pessoas que moram em terras longínquas. Em nossos dias milhares de refugiados estão saindo de países fechados e estão migrando para países onde o evangelho pode ser livremente pregado. Deus está fazendo a obra! Nossos dias são dias em que muitas pessoas que procuram misericórdia podem encontrar misericórdia.

Deus está movendo a história para que todo o mundo ouça a respeito do Senhor Jesus. Basta a igreja se engajar nessa obra que o próprio Deus está realizando.

 

[1] ELLIOTT, John H. Um lar para quem não tem casa: interpretação sociológica da Primeira Carta de Pedro. Santo André: Academia Cristã / São Paulo: Paulus, 2011.

[2] ELLIOTT, John H. Um lar para quem não tem casa, p. 297.

[3] ELLIOTT, John H. Um lar para quem não tem casa, p. 298.

[4] KISTEMAKER, Simon J. Epístola de Pedro e Judas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 122.

[5] KISTEMAKER, Simon J. Epístola de Pedro e Judas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 116.

[6] MUELLER, Ênio R. 1Pedro: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 178.

[7] MUELLER, Ênio R. 1Pedro: introdução e comentário, p. 178.

[8] KISTEMAKER, Simon J. Epístola de Pedro e Judas. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 128.