As setenta semanas de Daniel (Dn 9.24-27)
Dr. Luciano R. Peterlevitz
Considerações preliminares – o contexto das setenta semanas
A profecia a respeito das setenta semanas está registrada em Dn 9.24-27. Para compreendê-las, é necessário observar todo o capítulo 9 do livro de Daniel.
Era o “primeiro ano de Dario, filho de Assuero” (v.1). Este Dario certamente deve ser identificado com Ciro, o rei persa que se estabeleceu sobre o “reino dos caldeus”.[1] O seu primeiro ano de reinado foi em 539 a.C. Neste ano, Daniel estava estudando a profecia de Jeremias, e ele entendeu que “o número de anos, de que falara o Senhor ao profeta Jeremias, que haviam de durar as desolações de Jerusalém, era de setenta anos” (v.2). Depois dos setenta anos do exílio, era a hora do povo retornar para a terra prometida. Então Daniel se pôs a orar, “com jejum, pano de saco e cinza” (v.3).Trata-se de uma oração de confissão (v.4a, 20).
O foco da oração é a “tua cidade de Jerusalém”, o “teu santo monte” (v.16), o “monte santo do meu Deus” (v.20), a “cidade que é chamada pelo teu nome” (v.18), a “tua cidade e o teu povo” (v.19), e o “teu santuário assolado” (v.17).
A oração de Daniel está registrada nos v.4b-19. O clamor do profeta está sobrecarregado da linguagem da teologia do pacto. Ou seja, em sua oração, ele menciona a aliança que Deus outrora havia feito com o povo de Israel, especialmente a aliança deuteronômica (o pacto registrado no livro de Deuteronômio)[2]. Por isso, no início da oração, ele diz que Deus guarda “a aliança e a misericórdia para com os que te amam e guardam os teus mandamentos” (v.4).
Nas suas súplicas, Daniel confessa os pecados do povo de Israel: “temos pecado e cometido iniquidade” (v.5). O profeta reconhece que ele e seu povo não obedeceram à voz do Senhor (v.10). “Sim, todo o Israel tem transgredido a tua lei, desviando-se, para não obedecer à tua voz; por isso a maldição, o juramento que está escrito na lei de Moisés, servo de Deus, se derramou sobre nós; porque pecamos contra ele.”(v.11). A “maldição”(exílio) foi lançada sobre em Israel por causa de sua desobediência (Dt 28.15-68; cf. Lv 26.14-39).
Daniel reconhece a justiça de Deus (v.7, 14), e também afirma que a compaixão e o perdão pertencem ao Senhor (v.9). Sua oração não está fundamentada na justiça pessoal dos israelitas, mas nas “muitas compaixões” do Senhor (v.18).
De acordo com o v.16, as “justiças” de Deus incluem não somente sua punição sobre o povo (cf. v.14), mas também o afastamento de sua ira de sobre Jerusalém. Ou seja, Daniel sabia que Deus ainda iria defender a santa cidade.
Lv 26.40-46 prevê que, após o juízo mediante o exílio, o Senhor se lembraria de sua aliança, e restauraria o seu povo novamente na terra prometida: “eu me lembrarei da minha aliança com Jacó e da minha aliança com Isaque e da minha aliança com Abraão, e também me lembrarei da terra”(Lv 26.42 – NVI). Além da aliança deuteronômica, a oração de Daniel também se refere à aliança abraâmica (promessa da terra). Ou seja, quando os setenta anos do exílio se cumpriram, Daniel aparentemente estava inquieto com a possível demora da restauração à terra da promessa (cf. Dn 9.2).
A oração de Daniel foi respondida ainda quando ele orava (v.20). O anjo Gabriel foi voando até o profeta, tocou-o (v.22), e declarou a ele “visão”. O termo “visão” é a tradução do hebraico mar’eh, que provavelmente aqui tem o sentido de “revelação”[3]. Esta “visão” (revelação) são as setenta semanas reveladas nos v.24-27. Portanto, a profecia das setenta semanas é uma resposta imediata à oração de Daniel.
O v.24 descreve o período total das setenta semanas. Os v.25-27 subdividem as setentas semanas em três períodos.
O sentido geral das setenta semanas: v.24
V.24: “setenta semanas”. Trata-se de semanas de anos, não de dias. A expressão “setenta semanas” literalmente significa “setenta setes”, que resulta no valor de 490. Ou seja, as setenta semanas são 490 anos. Uma profecia de setenta semanas foi dada aos judeus que permaneceram setenta anos no exílio (v.2). Calvino comenta que “o profeta, aqui, compara a graça de Deus com seu julgamento, como se tivesse dito: o povo foi punido por um exílio de setenta anos, mas agora o seu tempo de graça chegou; ou melhor, o dia da sua redenção raiou e resplandeceu com um esplendor contínuo, encoberto, de fato, por algumas nuvens por 490 anos, até o advento de Cristo.”[4] O povo judeu sofreu por setenta anos, mas o consolo do Senhor seria setenta vezes maior.[5]
É verdade que haveria “tempos angustiosos” (v.25). Jerusalém sofreu “assolações” por causa do exílio (v.2), e ainda outras assolações estavam por vir (v.26, 27). Mesmo assim, o consolo do Senhor seria setenta vezes maior do que o sofrimento.
Cada semana corresponde a 49 anos, e isso evoca a memória do ano do Jubileu (Lv 25), comemorado sempre no quinquagésimo ano. Era um tempo em que os escravos eram libertos, e as terras que porventura tinham sido alienadas por dívidas retornavam às famílias proprietárias originais, preservando assim a estrutura clânica-tribal que protegia o direito à produção da terra. O tempo do Jubilou passou a designar, ao longo das Escrituras, o tempo da restauração dos cativos (cf. Is 61.1-2a; Lc 4.17-21). Os “sete setes” são dez jubileus, ou seja, 490 anos.
“A figura associada com o uso do número dez é geralmente admitida como sendo de completude (é o número completo dos dígitos na mão de um homem). Assim, os setenta setes (semanas) pareceriam apontar para um Jubileu redentivo completo. Ele apontaria apropriadamente para Cristo, que traz esse Jubileu final (cf. Lucas 4:17-21; Is. 61:1-3; Mt. 24:21)…”.[6]
O Jubileu é o referencial simbólico por detrás das setenta semanas. Assim como os escravos eram libertos e voltavam para suas terras no quinquagésimo ano, os judeus exilados voltariam para a terra prometida no jubileu redentivo operado por Javé.
Também é importante notar que as setenta semanas são uma profecia destinada especificamente o povo de Israel: “Setenta semanas estão decretadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade” (ênfase acrescentada). Lembremos que Daniel em sua oração havia mencionado a “tua cidade de Jerusalém”, o “teu santo monte” (v.16), o “monte santo do meu Deus” (v.20), a “cidade que é chamada pelo teu nome” (v.18), a “tua cidade e o teu povo” (v.19), e o “teu santuário assolado” (v.17).Quer dizer, a revelação a respeito das setenta semanas foi direcionada para os judeus exilados na Babilônia.
O v.24 apresenta seis afirmações traduzidas para o português na forma infinitiva. Os seis itens apresentados nesse verso se cumpriram no Primeiro Advento do Messias.[7]
- “para fazer cessar a transgressão” (RA), “para terminar a transgressão”. O verbo kalah (piel infinitivo) significa “terminar”. Não me parece que aqui o verbo tenha o sentido de “completar”, apontando para o momento em que a rebeldia de Israel atingiu seu ponto culminante, quando rejeitou e crucificou o Messias.[8] A expressão simplesmente está em paralelo com a expressão seguinte: “para dar fim aos pecados” (RA).
- “para dar fim aos pecados” (RA). O texto hebraico apresenta o verbo tamam (hifil infinitivo), “terminar”, “cessar de fazer”, “deixar de fazer”.[9]
Essas duas expressões iniciais, “fazer cessar a transgressão” e “dar fim aos pecados”, enfatizam a extinção total do pecado e da culpa do povo de Israel. Lembremos que a oração de Daniel foi uma confissão dos pecados de Israel. Então o anjo Gabriel apresenta a resposta para sua oração: a rebeldia de Israel será completamente perdoada. “O sacrifício sacrificial do templo não tinha conseguido extinguir os pecados da nação e muito menos do mundo inteiro. Era, pois, urgente que um novo sacrifício fosse oferecido, para que os pecados fossem eliminados”.[10]
- “para expiar a iniquidade” (RA). O verbo kapar (piel infinitivo) significa “expiar mediante um oferecimento de um substituto”. Essa raiz verbal “fala claramente da morte expiatória de Cristo, que é a expiação última a qual todos os rituais do Templo apontavam (Hb. 9:26)”[11].
- “para trazer a justiça eterna”. O texto anuncia um sacrifício expiatório capaz de estabelecer a sedeq, “justiça”. As sentenças anteriores apresentam uma linguagem que descreve um sacrifício capaz de perdoar os pecados (especialmente a expressão anterior, “para expiar a iniquidade”). Então, a “justiça eterna” é consequência da expiação. Portanto, “justiça eterna”é uma referência à justificação em Cristo (Rm 3.21-26). O próprio Daniel já havia reconhecido que a justiça de Deus inclui não somente a punição sobre Jerusalém (v.14), mas também o afastamento de sua ira e defesa da cidade (v.16). Mas Deus mostra para Daniel que ele não somente defenderia os judeus, trazendo-os novamente à terra de Judá, mas também colocaria sobre eles a justiça perfeita do seu Filho. Trata-se da justiça eterna, que não poderia ser extinta jamais.
- “para selar a visão e a profecia”. O verbo é hatam (qal infinitivo), “selar”. Cristo veio para cumprir e confirmar a profecia.[12]Com a morte e a ressurreição de Cristo, se cumpriu “tudo quanto está escrito por intermédio dos profetas”(Lc 18.31; cf. Mr 1.14).
- “para ungir o Santo dos Santos”. O verbo maxah (qalinfinivito) “ungir”. Essa ação só pode ser efetuada pelo maxiah, “Ungido”, mencionado nos v.25 e 26. Quer dizer, se no v.26 o Ungido é morto, é exatamente Ele que, no v.24, realiza o cumprimento daquilo que foi profetizado nas setenta semanas. Fica assim pressuposto que todas as ações mencionadas no v.24 são realizadas pela morte do Ungido. A unção dos “Santos dos Santos” nos arremete à obra do Messias. O Jubileu redentivo último foi realizado pela Pessoa de Cristo, conforme profetizado por Isaías, e conforme comprovado no Novo Testamento (cf. Is 61.1-2a; Lc 4.17-21). Cristo entrou no Santo dos Santos e ofereceu um único e perfeito sacrifício capaz de trazer redenção eterna (veja Hebreus).
As divisões das setenta semanas: v.25-27
As setenta semanas estão claramente divididas em três períodos:
Primeiro período: “sete semanas” (v.25)
O v.25 demarca um primeiro período que envolve “a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém”:
“Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para reconstruir Jerusalém até o ungido, o príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; com praças e tranqueiras se reedificará, mas em tempos angustiosos.”
O termo “ordem” é a tradução do termo hebraico dabar, “palavra”, “coisa”, “assunto”, aqui com o sentido de “declaração”. Esta “declaração” certamente é a carta de Artaxerxes que concedia a Esdras e outros judeus o direito de voltarem para Jerusalém a fim de reconstruírema cidade (Ed 7.11-26). Esdras e seu grupo chegaram em Jerusalém ano 457 a.C., o “sétimo ano do rei Artaxerxes” (Ed 7.7). Portanto, a “saída da declaração para restaurar e para reconstruir Jerusalém” certamente ocorreu nesse ano, 457 a.C.
Essa época de reconstrução de Jerusalém são as primeiras sete semanas, que abarca um período de 49 anos.[13] A cidade foi reconstruída, “mas em tempos angustiosos” (cf. Ne 4.18).
Segundo período: “sessenta e duas semanas” (v.25)
Um segundo período é demarcado:
“Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para reconstruir Jerusalém até o ungido, o príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; com praças e tranqueiras se reedificará, mas em tempos angustiosos.”
Ou seja, entre arestauração de Jerusalém no pós-exílio “até o ungido”, haveria “sessenta e duas semanas”. Esse período abarca a época que seguiu à reconstrução de Jerusalém até a primeira vinda do Messias. As sessenta e duas semanas, somadas com as primeiras sete semanas (as duas expressões estão juntas: “sete semanas e sessenta e duas semanas”, dando a entender um único período de tempo!), perfazem um total de 483 anos (lembre-se que as setenta semanas perfazem um total de 490 anos). Assim, somos levados para aproximadamente 30 d.C., quando Cristo iniciou o seu ministério.[14]
Terceiro período: a septuagésima semana (v.26-27)
O terceiro período se inicia “depois de sessenta e duas semanas” (v.26). O que marca essa última “semana” é a morte do Messias (v.26) e sua aliança com “muitos”, “na metade da semana” (v.27). É importante notar que o Messias não morreu no período das sessenta e duas semanas, mas “depois” (advérbio hebraico ’ahar, início do v.26). Não há nenhuma pausa ou intervalo entre sexagésima nona semana e septuagésima semana. O “ponteiro escatológico” de Deus não parou na sexagésima nona semana, como defendem meus irmãos dispensacionalistas. O Messias morreu na septuagésima semana.
Portanto, a morte do Ungido ocorre “depois de sessenta e duas semanas”, como lemos: “será morto o Ungido e já não estará” (v.26). A forma verbal karat (nifil imperfeito), “ser morto”, literalmente “ser tirado”, usualmente é empregada para pena de morte (Lv 7.20), “e refere-se a uma morte violenta, isto é, a morte de Cristo na cruz”[15]. A expressão “e já não estará” (hebr. we’enlo) literalmente significa “e não existirá para ele”. Ou seja, o Messias seria reduzido a nada.
No início do v.27, lemos: “E ele fará firme aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oblação”. A grande questão é quem o sujeito do verbo gabar, “firmar”, “estabelecer”. Trata-se do príncipe que destrói Jerusalém ou do Ungido? Na leitura do texto hebraico, não é possível determinar com certeza o sujeito. O último personagem mencionado no v.26 foi o “príncipe”, o que naturalmente nos levaria a afirmar que ele é o sujeito do verbo no início do v.27. Então, esse príncipe iria fazer “cessar o sacrifício e a oferta de manjares”, ou seja, aniquilaria o culto do templo de Jerusalém, como fez Antíoco IV Epifânio, ao profanar o templo e introduzir uma imagem do deus Zeus Olímpico (Dn 11.31). Mas aqui em 9.27 a linguagem não descreve uma profanação do santuário, como em 11.31[16], mas sim a remoção completa e definitiva dos seus sacrifícios: o verbo hebraico “fazer cessar” (tendo como objeto “o sacrifício e a oblação”), no grau hifil, significa “pôr fim a”, “terminar”.
“No hifil do verbo shabat, Deus é preponderantemente o sujeito”.[17]Vários textos que apresentam a forma shabat no hifil, tendo Deus como sujeito, fazem referência à cessação ou fim de uma atividade:[18]
- Em Isaías:
Deus “fará cessar” o orgulho do arrogante (Is 13.11); Deus “fez cessar” a atividade dos pisadores de uva (Is 16.10); Deus “fez cessar” a opressão (Is 21.2).
- Em Jeremias:
Deus “faz cessar” a alegria de Jerusalém (Jr 7.34; 16.9); Deus “faz cessar” os lagares de vinho de Moabe (Jr 48.33), e “faz cessar” os sacríficios de Moabe (Jr 48.35 – RA: “Farei desaparecer”).
- Em Ezequiel:
Deus “faz cessar” a arrogância dos valentes (Ez 7.24); Deus “fará cessar” o provérbio que zomba do cumprimento da profecia (Ez 12.23); Deus “fará cessar” os fornicadores (Ez 16.41; 23.27,48); Deus “fará cessar” as atividades das nações rebeldes (Ez 26.13; 30.10,13); Deus “fará cessar” a atividade dos “pastores” (reis) de Israel (Ez 34.10); Deus “fará cessar” as bestas-feras da terra (Ez 34.25 – RA: “Acabarei”).
- Em Daniel
Além de 9.27, a forma verbal shabat no hifil ocorre em 11.18: um “príncipe” (cônsul Lúcio Cornélio Cipião) “fará cessar” as campanhas de Antioco III. Em Dn 11.18, o sujeito não é Deus, mas um homem, entretanto, este homem foi levantado por Deus para acabar com a arrogância de Antioco. É comum o Antigo Testamento apresentar reinos e exércitos sendo levantados por Deus para cumprir algum propósito. Então, o que lemos em Dn 11.18, é uma ação divina através da ação humana.
Portanto, a ideia básica de shabat não é uma interrupção temporária, mas sim, a cessação de uma atividade ou o fim de um processo que é finalmente concluído.[19] Assim, é muito difícil não ver em 9.27 a nova aliança estabelecida por Cristo e o seu sacrifício consumado, que pôs fim aos sacrifícios da antiga aliança. É difícil ver “príncipe” como sujeito do verbo shabat.
Outra coisa: se as 69 semanas nos conduzem a aproximadamente o ano 30 da era cristã, ou seja, o ano do início do ministério de Cristo, a “metade” da última semana seria o ano 33, quando Cristo morreu. Assim, o início do v.27 está relacionado com o início do v.26. A morte do Ungido (início do v.26) ocorre na metade da última semana (início do v.27).
É preciso também considerar que a expressão “por uma semana” não significa que a aliança firmada pelo Ungido duraria somente poruma semana (7 anos). O texto hebraico não transmite essa ideia. A expressão não está se referindo ao tempo de duração da aliança, mas sim ao tempo do seu estabelecimento. O sentido é este: a aliança foi firmada na última semana.
Então, é possível afirmar que o Ungido é o sujeito do verbo gabar, “firmar”. Foi ele que “fez cessar” os sacrifícios da antiga aliança (veja Hebreus) e estabeleceu a nova aliança mencionada no início do v.27. Nele se cumpriram todos os sacrifícios da antiga aliança.
A aliança do Messias é firmada “para muitos” (hebraico larabbim). O termo hebraico rab, “muito”, “designa uma quantidade grande e indeterminada”[20].É preciso mais vez lembrar que a profecia das setenta semanas foi direcionada especificamente para os judeus (início do v.24). Então, a septuagésima semana faz referência à aliança que Deus fez com Abraão: os israelitas seriam uma multidão, incontáveis como as estrelas do céu (Gn 15.3; 22.17).
A destruição de Jerusalém
“e o povo do príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário” (v.26). Considerando que o Ungido foi morto “depois das sessenta e nove semanas”, portanto, ele morreu na septuagésima semana, é muito óbvio que a vinda do “príncipe” ocorre em algum momento depois da última septuagésima semana. O “príncipe” (heb. nagid) é o general romano Tito, filho do Imperador Vespasiano, que destruiu Jerusalém no ano 70 d.C.
O “fim” é a tradução do hebraico qes, palavra que pode se referir ao tempo ou ao espaço. Em 8.17, por exemplo, a palavra se refere ao final de um tempo específico, o ‘et-qes “tempo do fim”, no caso, a época da derrocada dos persas por Alexandre, o Grande (veja Dn 8.20,21). Aqui em 9.26, o termo se refere ao fim de Jerusalém, como lemos na frase anterior: “o seu fim (weqisso) será num dilúvio”. Quer dizer, o “fim” não é o fim do mundo, mas o fim de Jerusalém, sua destruição.
No v.27, lemos a vinda do “assolador”. De acordo com nossa interpretação, trata-se de Tito, que prefigura o anticristo do final dos tempos (Mt 24.15; veja ainda Dn 8.13; 11.31; 12.11). Ou seja, depois da metade da última semana, a cidade de Jerusalém seria destruída, o que de fato ocorreu no ano 70 d.C. Jesus chorou por essa destruição:
Ah! se tu conhecesses, ao menos neste dia, o que te poderia trazer a paz! mas agora isso está encoberto aos teus olhos. 43 Porque dias virão sobre ti em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão de todos os lados, 44 e te derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo da tua visitação. (Lc.19:41-44).
No final, contudo, o “assolador” seria destruído: “e até a destruição determinada, a qual será derramada sobre o assolador” (v.27). Ou seja, Deus traria seu juízo sobre o império romano (veja o livro de Apocalipse).
Conclusão
Notemos os seguintes pontos conclusivos:
- As setenta semanas de Dn 9.24-27 descrevem o período que se inicia na época da reconstrução de Jerusalém (especificamente 457 a.C.), englobando todo o período intertestamentário até a primeira vinda de Cristo. O ponto culminante está no meio da septuagésima semana, situado em aproximadamente 33 d.C., quando o Messias morreu e estabeleceu a aliança com “muitos” (v.27).
- A destruição de Jerusalém ocorreu depois do período das setenta semanas, em 70 d.C. Essa desolação da cidade não está incluída nas setenta semanas, porque o foco da profecia não é juízo divino, mas é o consolo Deus ao povo judeu mediante a salvação consumada pelo Messias. A esperança dos judeus está em Cristo!
- A profecia das setenta semanas foi dirigida especificamente ao povo de Israel exilado na Babilônia. As “setenta semanas” propõem consolo e esperança para eles. O povo que fora punido por seus pecados deveria olhar para o futuro sacrífico perfeito do Messias. À luz do Novo Testamento, podemos afirmar quea salvação prometida nas setenta semanas foi efetivada sobre os judeus convertidos a Cristo; masa salvação não é somente para judeus, pois os gentios que creem no evangelho são co-participantes das promessas feitas à nação de Israel (Ef 3.6).
[1]Antônio Neves de Mesquita, Estudo no livro de Daniel (Rio de Janeiro: JUERP, 1978), p. 66.
[2] Meredith G. Kline, “The Convenant of the Seventieth Week”, em John H. Skilton (editor), The Law and the Prophets: Old Testament Studies in Honor of Oswald T. Allis ([Nutley, NJ] Presbyterian and Reformed, 1974), p. 4. Disponível em www.monergism.com/…/Kline,%20Meredith%20-%.. Acessado em 18.11.2015.
[3] Joyce G. Baldwin, Daniel: introdução e comentário (São Paulo: Vida Nova, 1983), p. 178.
[4] Carl L. Beckwith (organizador), Comentário Bíblico da Reforma – Ezequiel e Daniel (São Paulo: Cultura Cristã, 2014), p. 393.
[5] Carl L. Beckwith (organizador), Comentário Bíblico da Reforma, p. 393.
[6]Kenneth L. Gentry, “As setentas semanas de Daniel”, p. 4.
[7]Kenneth L. Gentry, “As setentas semanas de Daniel”, p. 9.
[8] Essa é interpretação de Kenneth L. Gentry, “As setentas semanas de Daniel”, p. 9.
[9] No entanto, se a variante textual for aceita, o verbo seria hatam (qal infinitivo), “selar”. Veja o aparato crítico da Biblia Hebraica Stuttgartensia.
[10] Antônio Neves de Mesquita, Estudo no livro de Daniel, p. 68.
[11]Kenneth L. Gentry, “As setentas semanas de Daniel”, p. 10.
[12]Kenneth L. Gentry, “As setentas semanas de Daniel”, p. 11.
[13] Hengstenberg, Christology of the Old Testament, p. 894ss.
[14] A rigor, os 483 anos das 69 semanas, tendo como ponto de partida o ano 457 a.C., nos levaria até o ano 36 d.C. Contudo, os cálculos da era cristã, realizados por Dionísio em 525 d.C., foram revisados depois do século 17, tendo como base novos cálculos fundamentados em novas descobertas da astronomia, e descobriu-se que Cristo nasceu de 4 a 7 anos antes do tempo identificado por Dionísio. Ou seja, o nascimento de Cristo ocorreu em aproximadamente 4 a 7 a.C., e assim o início do ministério provavelmente começou cerca de 483 anos depois “da ordem para restaurar e para reconstruir Jerusalém”.
[15]Kenneth L. Gentry, “As setentas semanas de Daniel”, p. 12.
[16] Em 11.31, os verbos são outros: halal, “profanar” e sur (shur), “tirar”.
[17]Victor P. Hamilton, tbv’ (shābat), em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova), verbete 2323, p. 1521.
[18]E. Haag, verbetetb;v’ šābat, em G. Johannes Botterweck; HelmerRinggren e Heinz-Josef Fabry (editores), Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans PublischingCompany, vol.14, 2004, p. 384.
[19]E. Haag, verbete tb;v’ šābat, p. 385.
[20] William White, bb;r’ (rābab), em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova), verbete 2099a, p. 1390.